english.gif (285 bytes)

SIGEP

Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 031

SERRA DO TOMBADOR

Data: 17/02/2000

Augusto J. Pedreira 
pedreira@terra.com.br

 Antônio José Dourado Rocha

cprmsa@bahianet.com.br

CPRM-Serviço Geológico do Brasil
Av. Ulysses Guimarães, 2862
41213-000 Salvador, Bahia, Brasil

© Pedreira,A.J.; Rocha,A.J.D. 2000. Serra do Tombador, Bahia. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 17/02/2000 no endereço  http://www.unb.br/ig/sigep/sitio031/sitio031.htm [Atualmente https://sigep.eco.br/sitio031/sitio031.htm ]

Veja versão com linguagem popular:
UM DESERTO ANTIGO DO BRASIL
Por: Augusto J. Pedreira

Versão Final Impressa:
©  Pedreira,A.J.; Rocha,A.J.D. 2002. Serra do Tombador, Chapada Diamantina, BA - Registro de um deserto proterozóico. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002. v. 01: 181-186. 

[VER CAPÍTULO IMPRESSO]

(A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial)

foto1.jpg (47176 bytes)

Foto 1 - Escarpa do Tombador vista da serra das Palmeiras, visando sul.
Photo 1 - Tombador escarpment seen from Palmeiras range, looking south

foto2.jpg (64079 bytes)

Foto 2 - Morro do Cruzeiro visto da serra do Tombador, visando norte.
Photo 2 - Cruzeiro hill seen from Tombador range, looking north.

ABSTRACT

The Tombador range that is part of the Chapada Diamantina eastern escarpment, is formed by clastic sedimentary rocks of the Tombador Formation that is older than one billion years. These rocks are composed by conglomerates and sandstones of eolian, fluvial and deltaic facies, with predominance of the first one. The Tombador Formation was described in the first decade of the present century is deposited on a basement composed by TTG (tonalite-trondjhemite-granodiorite) orthogneisses, acid meta-volcanic rocks, granodiorites and porphyroclastic monzonites. In the Tombador range itself, this unconformity (non-conformity) between this basement and the sedimentary rocks of the Tombador Formation may be observed. They consist of sandstones with bimodal granulometry and large scale cross bedding. In the middle part of the formation, the cross bedding co-sets that have levels with rain pits are bounded by surfaces with thin beds of horizontally bedded sandstones. These surfaces are interpreted as result of discontinuous elevations of the water table. The lithologies and structures of the Tombador Formation characterize it as a perfectly preserved paleo-desert. Owing to an elevation of its level, the sea transgressed on the Tombador Formation, depositing upon it argillites and siltstones of the Caboclo Formation in a tidal flat environment. The bimodal sandstones of the Tombador Formation are exploited as slabs for floor revestment.

Key words: Precambrian, Chapada Diamantina, Tombador range, desertic environment

RESUMO

A serra do Tombador que forma parte da escarpa oriental da Chapada Diamantina, é constituída por rochas sedimentares clásticas da formação homônima, que tem idade superior a um bilhão de anos. Elas são compostas por conglomerados e arenitos de fácies eólica, fluvial e deltaica, com predominância da primeira. A Formação Tombador, que foi descrita na primeira década deste século, está depositada sobre um embasamento constituído por ortognaisses TTG (tonalito-trondjhemito-granodiorito), rochas metavulcânicas ácidas, granodioritos e monzonitos porfiroclásticos. Na serra do Tombador propriamente dita, ao longo da rodovia BR-324, pode ser observada a discordância (não-conformidade) entre este embasamento e as rochas da Formação Tombador. Eles consistem em arenitos com granulometria bimodal e estratificação cruzada de grande porte. Na parte intermediária da formação, os conjuntos de estratificação cruzada, que possuem níveis com marcas de pingos de chuva, estão truncados por superfícies materializadas por camadas delgadas de arenito com estratificação plano-paralela. Essas superfícies são interpretadas como produto de subidas descontínuas do lençol de água subterrânea. As litologias e estruturas sedimentares da Formação Tombador a caracterizam como um paleo-deserto perfeitamente preservado. Devido a uma elevação do seu nível, o mar transgrediu sobre a Formação Tombador, depositando sobre ela argilitos e siltitos da Formação Caboclo, em um ambiente de planície de maré. Os arenitos bimodais da Formação Tombador são explorados como lajes para o revestimento de pisos.

Palavras chave: Precambriano, Chapada Diamantina, serra do Tombador, ambiente desértico

INTRODUÇÃO

A serra do Tombador é uma escarpa com mais de 75km de extensão, onde aflora a formação homônima de idade mesoproterozóica, no centro do Estado da Bahia. Ela forma parte da borda oriental da região denominada Chapada Diamantina (foto 1), possuindo direção geral NNE-SSW. A serra do Tombador, em seu desenvolvimento norte-sul, toma diversos nomes locais, como Tombador do Araújo, serra das Palmeiras e serra da Gameleira,. O seu trecho principal é limitado pelas rodovias BR-324 e BA-052, que cruzam as serras do Tombador e da Gameleira. Para norte e para sul, suas altitudes decrescem, passando ela a ser recoberta a norte por rochas sedimentares do Neoproterozóico. Os seus aspectos estratigráficos, sedimentológicos, tectônicos e geomorfológicos têm sido objeto de pesquisa desde o início deste século. Na serra do Tombador, podem ser estudados com vantagem os processos de sedimentação ocorridos há mais de um bilhão de anos antes do presente, e a evolução tectônica e geomorfológica dessas rochas ao longo do tempo geológico.

LOCALIZAÇÃO

A serra do Tombador cruza diagonalmente o meridiano 400 45' W e está limitada a norte e sul pelos paralelos 110 00' e 120 00' (figura 1). Esta situação a coloca aproximadamente paralela à serra de Jacobina, da qual é separada por um amplo vale.

fig1.gif (29832 bytes)

Figura 1 - Mapa de localização da serra do Tombador. O encarte mostra a situação da região no Brasil.
Figure 1 - Location of the Tombador range. Inset shows the situation of the region in Brazil.

HISTÓRICO

As notas de viagem do Sr. J.A . Allen, ornitólogo da Expedição Thayer, referem-se a sua travessia desde a localidade de Chique-Chique, à margem do rio São Francisco, até a cidade da Bahia (Salvador), aproximadamente no ano de 1868. Nestas notas, ele comenta sua passagem pelo Tabuleiro de Jacobina, região mais elevada onde atualmente está situada a localidade de Laje do batata (figura 1). Deste tabuleiro se desce em direção a leste, "através de um desfiladeiro estreito e escabroso chamado o Tombador".

Na primeira década deste século, a região foi percorrida por John Casper Branner, geólogo inglês do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, que levantou diversos perfís ao longo das estradas que atravessam a serra. Ele descreveu o embasamento que a separa da serra de Jacobina, como composto por "granitos, gnaisses, xistos e eruptivas antigas...os morros formados por essas rochas mais velhas são baixos e arredondados". As rochas que sustentam a serra, que ele denominou de Série Tombador, foram descritas como "arenitos e quartzitos, sem folhelhos intercalados... com uma espessura de cerca de 100 metros...as rochas são brandas e muito diaclasadas, sendo sua cor rósea, amarelada, avermelhada e cinza.... Ao longo da face das escarpas, como se vê da velha trilha, a uns 2km a norte da trilha atual, as falsas camadas tem alturas, muitas vezes, de 3 a 4metros...". Na direção oeste ou noroeste, descendo a encosta da cordilheira, passa-se dos arenitos Tombador, para uma série da camadas esbranquiçadas com sílex, que o autor chamou de Jacuípe flints....São bem desenvolvidas na parte da cordilheira localmente conhecida como Serra da Gameleira... Imediatamente acima dos Jacuípe flints e repousando sobre eles, de maneira conforme, há uma série de folhelhos aos quais foi dado o nome de folhelhos Caboclo..." (Branner, 1910). As descrições de Branner são perfeitas: levando-se em conta os estudos posteriores e a evolução dos conhecimentos, que determinaram a constituição do embasamento como ortognaisses TTG (tonalito-trondjhemito-granodiorito), rochas metavulcânicas ácidas, granodioritos e monzonitos porfiroclásticos (Sampaio et al., 1995), e as falsas camadas como estratificações cruzadas de grande porte, não há o que acrescentar. O trabalho de Branner é ilustrado por desenhos de sua autoria, um dos quais é reproduzido na figura 2.

fig2.gif (17932 bytes)

Figura 2 - Serra do Tombador, vista da Fazenda Santa Cruz (esboço de J.C. Branner). À direita, está o morro do Cruzeiro, onde a Formação Tombador aflora separada da escarpa principal (foto 2).
Figure 2 - Tombador range seen from Santa Cruz ranch (sketch by J.C. Branner). At the right hand side, is the Cruzeiro hill, where the Tombador Formation crops out separated from the main escarpment (photo 2).


Durante a execução do Projeto Bahia (Pedreira et al., 1975), as formações Tombador e Caboclo, tiveram suas denominações originais restabelecidas. Na serra do Tombador, onde não afloram os "Jacuipe flints", a passagem da Formação Tombador para a Formação Caboclo, foi determinada como transicional.

Em 1987 foi instalado conjuntamente pelo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) e pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), na cidade de Morro do Chapéu (figura 1), o Centro Integrado de Estudos Geológicos. Este centro tem como objetivo ministrar treinamento aos técnicos dessas instituições, e a execução e apoio a estudos relativos às rochas sedimentares aflorantes na região. Um desses estudos foi o levantamento de perfis ao longo das estradas que cortam a escarpa da serra (serras da Gameleira e das Palmeiras, riacho Angelim, Gogó da Gata e serra do Tombador), para a análise faciológica da Formação Tombador. O painel com a correlação entre as diversas seções é mostrado na figura 3. Neste painel é notável o predomínio das fácies eólicas na Formação Tombador.

fig3.gif (58139 bytes)

Figura 3 - Correlação entre as litofácies da Formação Tombador analisadas nos perfis das serras da Gameleira e das Palmeiras, riacho Angelim, Gogó da Gata e serra do Tombador.
Figure 3 - Correlation among the profiles of Tombador Formation analysed in the profiles of Gameleira and Palmeiras ranges, Angelim creek, Gogó da Gata and Tombador range.

Finalmente, sob o ponto de vista de estratigrafia de seqüências, a Formação Tombador representa um trato de sistemas de mar baixo O seu contato com a Formação Caboclo na serra do Tombador, é uma superfície transgressiva e essa formação constitui um conjunto de parasseqüências pertencente a um trato de sistemas de mar alto.

DESCRIÇÃO DO SÍTIO

Desde a cidade de Jacobina, se pode vislumbrar ao longe (a oeste), a serra do Tombador. Seguindo pela rodovia BR-324 em direção à localidade de Laje do batata, cerca de 18km a oeste de Jacobina, é possível observar a discordância angular (não-conformidade), entre o embasamento cristalino e a Formação Tombador. Na foto 3, esta discordância está abaixo das camadas diaclasadas verticalmente, que continuam à direita da árvore. O morro mais claro é formado por rochas intemperizadas do embasamento.

foto3.jpg (48937 bytes)

Foto 3 - Discordância (não-conformidade) entre os arenitos da Formação Tombador e o embasamento cristalino. Rodovia BR-324, cerca de 18km a oeste de Jacobina.
Photo 3 - Unconformity (non-conformity) between the sandstones of the Tombador Formation and the crystaline basement. BR-324 road, about 18km west of Jacobina.

Esta discordância pode ser observada com mais detalhe cerca de dois quilômetros mais a oeste (foto 4). Aí ela é marcada por um nível de conglomerado, sobreposto por arenitos esbranquiçados. O conglomerado possui seixos de quartzito verde, provenientes da serra de Jacobina. Também pode ser observado que a discordância não é uma superfície plana: os arenitos da Formação Tombador, preenchem depressões do embasamento.

foto4.jpg (54932 bytes)

Foto 4 - Detalhe da discordância entre a Formação Tombador e o embasamento cristalino (acima do automóvel), 20km oeste da cidade de Jacobina.
Photo 4 - Detail of the unconformity between the Tombador Formation and the crystaline basement (above the car), 20km west of the town of Jacobina.

Os arenitos sobrepostos à discordância, possuem granulometria bimodal, e estratificação cruzada de grande porte. A bimodalidade do arenito, isto é, o fato de ele ser formado por níveis de grãos maiores e menores, deve-se à variação da velocidade do vento, quando os grãos foram transportados: ventos mais fortes transportavam os grãos maiores; ventos mais fracos, os grãos menores.

Existem quatro níveis desses arenitos, separados por superfícies suborizontais. O inferior termina de encontro à rodovia, enquanto o superior está no canto direito da foto 5. As camadas que separam esses níveis têm estratificação horizontal e são interpretadas como superfícies de truncamento, formadas pela elevação do nível da água subterrânea (Medeiros et al., 1971). O nível inferior seria um campo de dunas; a elevação do lençol de água subterrânea fixou as dunas, de modo que o vento removeu a areia solta situada acima dele. Sobre esta superfície plana formou-se um novo campo de dunas; mais uma elevação do lençol de água subterrânea fixou este campo de dunas. Quantas vezes este processo se repetiu é impossível de dizer: na serra do Tombador estão preservados apenas esses quatro níveis; outros , se houve, foram erodidos.

foto5.jpg (72778 bytes)

Foto 5 - Superfícies de truncamento, formadas pela elevação do nível do lençol de água subterrânea, que separam conjuntos de estratificação cruzada de grande porte.
Photo 5 - Bounding surfaces formed by the elevation of the water table, separating large scale cross bedding cosets.

Na continuação para oeste do nível superior, podem ser observadas estratificações cruzadas de grande porte ao nível da rodovia. Na foto 6, as camadas superiores possuem mergulho fraco para leste; as inferiores, onde está o martelo, mergulham um pouco mais fortemente para oeste.

foto6.jpg (61106 bytes)

Foto 6 - Estratificação cruzada de grande porte em arenitos eólicos da Formação Tombador. O círculo assinala um martelo como escala.
Photo 6 - Large scale cross bedding in eolian sandstones of the Tombador Formation. Hammer within the circle as scale.

Na parte inferior do afloramento mostrado na foto 6, existem alguns níveis com grande número de pequenos orifícios circulares (foto 7). Essas marcas são interpretadas como pingos de chuva e, de acordo com Mc Kee (1979), são feições diagnosticas de depósitos de dunas.

foto7.jpg (47754 bytes)

Foto 7 - Pingos de chuva preservados na parte inferior do afloramento mostrado na foto 6.
Photo 7 - Rain pits preserved in the lower part of the outcrop shown in photo 6.

No topo da serra do Tombador, a estratificação dos arenitos é plano-paralela (horizontal), devido à invasão marinha que depositou a Formação Caboclo. As ondas retrabalharam as areias inconsolidadas, transformando os estratos cruzados em horizontais. A Formação Caboclo consiste em uma alternância de argilitos e siltitos (foto 8). Nessas rochas foram encontradas estruturas contracionais, de modo que elas são interpretadas como depósitos de planície de maré, o que corresponde a uma subida do nível do mar, o qual transgrediu sobre a Formação Tombador.

foto8.jpg (57604 bytes)

Foto 8 - Argilitos e siltitos interacamados da Formação Caboclo no povoado de Meio, topo da serra do Tombador.
Photo 8 - Interbedded argillites and siltstones of the Caboclo Formation in the hamlet Meio, top of Tombador range.

A serra do Tombador não é apenas uma sucessão de afloramentos de rocha ao longo de uma rodovia. Ela representa um antigo deserto de mais de um bilhão de anos, perfeitamente preservado, onde podem ser examinados os processos que levaram a sua formação: o aplainamento parcial do embasamento, a direção e velocidade dos ventos, as variações do nível do lençol de água subterrânea, as chuvas ocasionais, e a sua invasão final pelo mar.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO

A granulometria bimodal dos arenitos da Formação Tombador, facilita a extração de lajes para revestimento. Isto tem sido feito de forma intensiva, como mostra a foto 9, sem que exista uma ação de acompanhamento e fiscalização por entidades governamentais.

foto9.jpg (39892 bytes)

Foto 9 - Extração de lajes de arenito na Formação Tombador, para produção do "Arenito Jacobina".
Photo 9 - Mining of sandstone slabs in Tombador Formation for the production of the "Jacobina Sandstone".

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Branner, J.C.,1910. The Tombador Escarpment in the State of Bahia, Brazil. American Journal of Science, 30: 335-343.

Mc Kee, E.D. 1979. Ancient Sandstones Considered to be Eolian. In: Mc Kee, E.D. (ed.) A Study of Global Sand Seas. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, Geological Survey Professional Paper 1052, p. 187-238.

Medeiros, R.A .; Schaller, H.; Friedman, G.M.,. 1971. Fácies Sedimentares; Análise e Critérios para o Reconhecimento de Ambientes Deposicionais. Rio de Janeiro, Petrobrás, CENPES, Divisão de Documentação Técnica e Patentes, 123 p.

Pedreira, A .J.; Arcanjo, J.B.; Pedrosa, C.J.; Oliveira, J.E.; Silva, B.C.E. 1975. Projeto Bahia; Relatório Final; Geologia da Chapada Diamantina. Salvador, DNPM/CPRM, 2v. (Relatório inédito).

Sampaio, A .R.; Santos, R.A .; Rocha, A .J.D. (orgs.), 1995. Jacobina; Folha SC.24-Y-C; Escala 1:250.000. Brasília, CPRM. (Mapa Geológico).