SIGEP

UM DESERTO ANTIGO DO BRASIL

Augusto J. Pedreira
Dez. 1999

Embora no Brasil não existam grandes desertos como o deserto de Sahara do norte da África, ou o de Atacama do Chile, existem rochas que indicam que no nosso país, há milhões de anos atrás, também houve desertos. Um dos locais onde isto pode ser visto é na Serra do Tombador. Esta serra está localizada a oeste da cidade de Jacobina, no estado da Bahia. O mapa abaixo mostra como chegar lá, a partir da cidade de Salvador.

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Desde a cidade de Jacobina, se pode vislumbrar ao longe (a oeste), a serra do Tombador. Os primeiros estudos sobre esta serra foram feitos pelo geólogo inglês John Casper Branner (1850-1922), no ano de 1910. A figura abaixo é uma vista da serra desde a fazenda Santa Cruz, desenhada por ele.

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Seguindo pela rodovia BR-324 em direção à localidade de Laje do Batata, cerca de 20km a oeste de Jacobina, é possível observar a discordância angular entre as rochas sedimentares da serra e o embasamento formado por rochas metamórficas. Essas rochas sedimentares foram chamadas por John Casper Branner de formações Tombador (por causa desta serra) e Caboclo (por causa da serra do Caboclo). Os arenitos constituem a Formação Tombador; os argilitos, a Formação Caboclo. Na foto abaixo, o carro está parado em frente às rochas metamórficas; um pouco à direita, a linha escura marca a discordância. Neste local ela é marcada por um nível de conglomerado, sobreposto por arenitos esbranquiçados. O conglomerado possui seixos de quartzito verde, provenientes da serra de Jacobina. Também pode ser observado que a discordância não é uma superfície plana: os arenitos da Formação Tombador, preenchem depressões do embasamento.

 

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Os arenitos que estão acima da discordância, possuem granulometria bimodal, e estratificação cruzada de grande porte. A bimodalidade do arenito, isto é, o fato de ele ser formado por níveis de grãos maiores e menores, deve-se à variação da velocidade do vento, quando os grãos foram transportados: ventos mais fortes transportavam os grãos maiores; ventos mais fracos, os menores. Isto dá à rocha um aspecto "listrado". Mais acima, do lado direito da rodovia, existem quatro níveis desses arenitos, separados por superfícies suborizontais. O inferior termina de encontro à rodovia, enquanto o superior está no canto direito da foto abaixo.

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As camadas que separam esses níveis têm estratificação horizontal e foram interpretadas por Rodi Ávila Medeiros (1935-1998), pesquisador da Petrobrás, como superfícies de truncamento, formadas pela elevação do nível da água subterrânea . O nível inferior seria um campo de dunas; a elevação do lençol de água subterrânea fixou as dunas, de modo que o vento removeu a areia solta situada acima dele. Sobre esta superfície plana formou-se um novo campo de dunas; mais uma elevação do lençol de água subterrânea fixou este campo de dunas. Quantas vezes este processo se repetiu é impossível de dizer: na serra do Tombador estão preservados apenas esses quatro níveis; outros , se houve, foram erodidos.

Na continuação para oeste do nível superior, podem ser observadas estratificações cruzadas de grande porte ao nível da rodovia. Na foto abaixo, as camadas superiores inclinam-se fracamente para leste; as inferiores, onde está o martelo dentro de um círculo, têm inclinação um pouco mais forte para oeste.

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Na parte inferior do afloramento mostrado na foto anterior, existem alguns níveis com grande número de pequenos orifícios circulares (foto abaixo). Essas marcas são interpretadas como pingos de chuva e, de acordo com o geólogo Edwin D. Mc Kee, do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), são feições que mostram que essas rochas foram dunas.

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No alto da serra do Tombador, a estratificação dos arenitos é plano-paralela (horizontal), devido uma subida do nível do mar que depositou a Formação Caboclo. As ondas retrabalharam as areias ainda não transformadas em rocha, de modo que as camadas ficaram horizontais. A Formação Caboclo consiste em uma alternância de argilitos e siltitos mostrados na foto a seguir.

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Nessas rochas foram encontradas estruturas que indicam que elas foram repetidamente cobertas por água e expostas ao sol, de modo que elas são interpretadas como depósitos de planície de maré, isto é, uma região plana onde as marés cobrem e descobrem as rochas. Como estas rochas foram argilas, esta planície de maré seria cheia de lama, como um mangue atual.

A granulometria bimodal dos arenitos da Formação Tombador, facilita a extração de lajes para revestimento, vendidas com o nome de "Arenito Jacobina". A foto abaixo mostra esta extração, que tem sido feita de forma intensiva, sem que exista uma ação de acompanhamento e fiscalização por entidades governamentais.

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A serra do Tombador não é apenas uma sucessão de afloramentos de rocha ao longo de uma rodovia. Ela representa um antigo deserto de mais de um bilhão de anos, perfeitamente preservado, onde podem ser examinados os processos que levaram a sua formação: o aplainamento parcial do embasamento, a direção e velocidade dos ventos, as variações do nível do lençol de água subterrânea, as chuvas ocasionais, e a sua invasão final pelo mar.

Para saber mais

Almeida, F.F.M.; Carneiro, C.D.R. 1998. Botucatu; o grande deserto brasileiro. Ciência Hoje, vol. 24, no. 143., p. 36-43.

Herr, P. "The desert planet" http://www.midplains.net/~peherr/STORY2.htm

Pedreira, A .J.; Rocha, A .J.D. 1999. "Serra do Tombador" Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil.

http://www.unb.br/ig/sigep/sitio031/sitio031.htm

Glossário

Água subterrânea: água contida entre os grãos das rochas sedimentares ou em fraturas nas rochas ígneas ou metamórficas; a superfície de saturação chama-se lençol freático.

Arenito: rocha sedimentar composta principalmente de partículas do tamanho areia, usualmente cimentadas por calcita, sílica, ou óxido de fero (veja Granulometria).

Argila: material sedimentar composto de fragmentos com um diâmetro menor que 1/256 mm (veja Granulometria)..

Argilito: rocha sedimentar formada pela consolidação de partículas do tamanho argila.

Discordância: uma descontinuidade na sucessão das rochas, contendo uma lacuna no registro geológico.

Discordância angular: uma discordância na qual as camadas mais antigas estão mais inclinadas que as mais novas.

Erosão: processo pelo qual as rochas são desagregadas e transportadas de um lugar para o outro na superfície da Terra. Os agentes da erosão incluem a água, o gelo, o vento e a força da gravidade.

Estratificação: uma superfície que separa as camadas das rochas sedimentares.

Estratificação cruzada: estratificação inclinada em relação à superfície horizontal original sobre a qual os sedimentos se depositaram. Ela é produzida pela deposição na superfície inclinada de uma duna ou de uma onda de areia.

Granulometria: tamanho dos grãos de um sedimento. Em geral é usada a escala de Wentworth que classifica os fragmentos como: Cascalho: diâmetro entre 4.096 e 2mm; areia: diâmetro entre 2 e 0,063 mm; silte: diâmetro entre 0.063mm e 4 m m (micrometros = 0,000001 metro); argila: diâmetro menor do que 4 m m.

Rocha ígnea: rocha formada pelo resfriamento e solidificação de minerais de sílica derretidos (magma). As rochas ígnea incluem as rochas vulcânicas (resfriadas na superfície) e as plutônicas (resfriadas abaixo da superfície).

Rocha metamórfica: qualquer rocha formada a partir de rochas preexistentes dentro da Terra por mudanças em temperatura e pressão e pela ação química de fluídos.

Rocha sedimentar: rocha formada pela acumulação e consolidação de sedimentos.

Sedimento: material tal como cascalho, areia, lama ou carboato que é transportado e depositado por vento, água, gelo ou gravidade; material que é precipitado de soluções; depósitos de origem orgânica, tais como corais e rochas coralinas.

Siltito: uma rocha sedimentar de granulação fina, composta principalmente de partículas do tamanho silte (veja granulometria).