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SIGEP

Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 094

CANYON DO GUARTELÁ

Data:22/01/2000

Mário Sérgio de Melo
msmelo@uepg.br
UEPG - Praça Santos Andrade s/n - CEP 84010-970 - Ponta Grossa, PR

© Melo,M.S. 2000. Canyon do Guartelá. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 22/01/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio094/sitio094.htm [Atualmente https://sigep.eco.br/sitio094/sitio094.htm ]

Versão Final Impressa:
© Melo,M.S. 2002. Canyon do Guartelá, PR - Profunda garganta fluvial com notáveis exposições de arenitos devonianos. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, v.01: 279-288.

[VER CAPÍTULO IMPRESSO]

(A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial)  

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Resumo

O Canyon do Guartelá é uma garganta retilínea com cerca de 30 km de extensão e desnível máximo de 450 m. Foi escavado pelo Rio Iapó, que através do canyon vence a Escarpa Devoniana, cuesta que separa o Primeiro e o Segundo Planalto Paranaense. O Rio Iapó é afluente da margem direita do Tibagi, que vai desaguar no Paranapanema, da bacia do Rio Paraná. É um impressionante exemplo de rio antecedente, que tendo suas nascentes no Primeiro Planalto Paranaense, a leste, rompe a Escarpa Devoniana através do Canyon do Guartelá, dirigindo-se para oeste-noroeste. O canyon é controlado por longas estruturas rúpteis (falhas, fraturas), às vezes encaixando diques de diabásio e rochas filiadas, de direção NW-SE, ligadas ao Arco de Ponta Grossa, reativado no Mesozóico. As escarpas do Canyon do Guartelá são sustentadas pelo Arenito Furnas (Devoniano da Bacia do Paraná), cujas excelentes exposições permitem subdividi-lo em três sub-unidades com características distintivas. Abaixo do Arenito Furnas aparecem ainda a Formação Iapó (Siluriano, unidade basal da Bacia do Paraná na região) e o Grupo Castro (seqüência vulcano-sedimentar do Ordoviciano). Sobre as rochas deste último corre o Rio Iapó, formando muitas cachoeiras e corredeiras. O Arenito Furnas apresenta marcante erosão diferencial, controlada pelas variações de atributos da rocha e estruturas sedimentares e rúpteis, gerando bizarro relevo ruiniforme. Ocorrem ainda no local cavernas esculpidas no Grupo Castro (Gruta da Pedra Ume) e muitas lapas do Arenito Furnas formando abrigos naturais onde são encontradas pinturas rupestres, artefatos líticos e restos de cerâmica de grupos de paleoíndios. Além disso, os solos rasos e pobres do Arenito Furnas e o isolamento imposto pela escarpa propiciaram a preservação de relíquias de cerrados, vegetação outrora difundida na região, quando o clima era mais seco que o atual.

Abstract

The Guartelá Canyon is a rectilinear gorge with an extension of approximately 30 km and a maximum depth of 450 meters. It was carved out by the River Iapó, which uses the canyon to overcome the Devonian Escarpment, a cuesta that separates the First and Second Paraná Plateaux. The River Iapó is a right bank affluent of the River Tibagi, which flows into the Paranapanema River, part of the Paraná River basin. The Iapó is an impressive example of an antecedent river, which has its source on the First Paraná Plateau to the east, breaks the Devonian Escarpment via the Guartelá Canyon, and advances to the west-northwest. The Canyon is controlled by long ruptile structures (faults, fractures), sometimes with intrusive diabase dykes and related rocks, in a NW-SE direction, connected to the Ponta Grossa Arch, reactivated in the Mesozoic period. The Guartelá Canyon escarpments are supported by the Furnas Sandstone (Devonian of the Paraná Basin), whose excellent exposure enables it to be subdivided into three sub-units with distinctive characteristics. Under the Furnas Sandstone, the Iapó Formation (Silurian, basal unit of the Paraná Basin region) and the Castro Group (volcano-sedimentary sequence of the Ordovician period) appear. The River Iapó flows over these rocks, forming many waterfalls and stretches of white water. The Furnas Sandstone presents considerable differential erosion, controlled by the change in rock attributes, sedimentary and ruptile structures, causing a bizarre ruiniform relief. Caves formed by the Castro Group (Gruta da Pedra Ume) and many caves of the Furnas Sandstone forming natural shelters where cave paintings, lithic artefacts and ceramic remains of paleoindians are found, occur in this region. As well as this, the poor, shallow soil of the Furnas Sandstone and the cuesta relief barrier have favoured the preservation of remains of scrubland (savanna), a form of vegetation formerly widespread in the region.

Localização

O Canyon do Guartelá situa-se na porção centro-leste do Estado do Paraná (Fig. 1), estendendo-se por cerca de 30 km entre os municípios de Castro e Tibagi, com centro aproximado localizado nas coordenadas 24° 32'S e 50° 17'W.

O Parque Estadual do Guartelá situa-se na porção central do canyon, cerca de 203 km a noroeste de Curitiba, percorridos inicialmente pela rodovia BR-376 até Ponta Grossa (115 km), depois pela PR-151 até Castro (45 km), e finalmente pela PR-340 (Castro-Tibagi), onde se alcança a entrada do parque após se percorrer 42 km.

O canyon é aproximadamente retilíneo, fortemente controlado por estruturas geológicas (fraturas, falhas, diques) de direção NW-SE. Marca a transposição da Escarpa Devoniana pelo Rio Iapó, o qual provém do Primeiro Planalto Paranaense, a sudeste, e rompe a escarpa em profunda e longa garganta, para atingir o Segundo Planalto, a noroeste.

O reverso da Escarpa Devoniana, um típico relevo de cuesta só localmente controlado por estruturas rúpteis, corresponde na área à região dos Campos Gerais do Paraná (Fig. 1), zona fitogeográfica marcada pela presença de solos rasos e pouco férteis derivados de arenito, com característica vegetação de campos limpos (MAACK 1948).

Histórico

Antes da colonização européia, a região do canyon do Rio Iapó era povoada pelos índios caingangues, uma ramificação da nação Tupi-Guarani (LANGE 1994). Os muitos vestígios da passagem dos indígenas pela região indicam que tratavam-se de bandos nômades de caçadores e coletores (LAMING & EMPERAIRE 1968, CHMYZ 1976, PROUS 1992, SCHMITZ 1997, SILVA 1999), que se deslocavam em busca de alimento, ou fazendo a travessia entre a costa e o interior da região e vice-versa, pelo antigo caminho de Peabirú.

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A partir do século XVIII, com o deslocamento de tropas de muares e gado de abate provenientes do Rio Grande do Sul para os mercados de São Paulo e Minas Gerais, os campos naturais da região dos Campos Gerais tornaram-se muito disputados. Nessa época a coroa portuguesa começou a expedir cartas de sesmarias em favor de homens de prestígio político local. Em 1725 foi outorgada a José de Góes Moraes, Bartolomeu Paes de Abreu e Antonio Pinto Guedes a sesmaria entre os rios Iapó e Pitangui, incluindo as terras correspondentes ao Guartelá (LANGE 1994). O ciclo do tropeirismo, que se estendeu ao início do século XX, ainda hoje tem grande influência na cultura e costumes dos Campos Gerais do Paraná e região do Guartelá, cuja população preserva muitos hábitos herdados dos tropeiros, em sua maioria de origem gaúcha.

Em suas viagens pelo sul do Brasil no início de 1820, SAINT-HILAIRE (1978) fez referência a uma "fazendola chamada Guartelá" situada próximo à barra do Rio Iapó, atestando que a denominação já era utilizada naquela época. A versão mais aceita para a origem do nome "Guartelá" é que um morador da região mandou prevenir um compadre vizinho do ataque iminente de índios caingangues, transmitindo-lhe a advertência: "Guarda-te lá que aqui bem fico", da qual derivou a palavra Guartelá (LANGE 1994).

Mais recentemente, o Guartelá tem se caracterizado por uma região de minifúndios, onde a pecuária extensiva é a principal atividade de subsistência. Nas últimas décadas, o canyon passou a receber um número crescente de visitantes aficionados das atividades junto à natureza, o que levou o Governo do Estado do Paraná a criar o Parque Estadual do Guartelá, através do decreto n° 1229 de 27/03/92, que tinha como objetivos: a) assegurar a preservação de ecossistemas típicos, locais de excepcional beleza cênica, como canyons e cachoeiras, além de significativo patrimônio espeleológico, arqueológico e pré-histórico, em especial pinturas rupestres; b) manutenção de remanescentes de floresta de araucária; c) preservação de fontes e nascentes; d) preservação de espécies da fauna e flora nativos; e) regulamentação do uso turístico nas áreas com potencial para visitação; f) preservação de sítios arqueológicos (DIEDRICHS 1995, ROCHA 1997).

O parque só foi efetivamente implantado na primavera de 1997, com área de 789,9 ha na margem esquerda do Rio Iapó. Administrado pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná), conta com recepção a visitantes, estrutura para campismo, alojamento para pesquisas e trilhas sinalizadas. Na margem direita encontra-se em implantação a Reserva Ecológica Itáytyba, com 1.090 ha, criada como RPPN em 1997, em fazenda de propriedade particular (MACHADO 1999).

Descrição do Sítio

O Canyon do Guartelá é um sítio singular, por reunir patrimônio diversificado e impressionante: geomorfologia notável, com gargantas e escarpas rochosas, relevo ruiniforme, cachoeiras e lajeados; excepcional exposição do Arenito Furnas, permitindo detalhar sua faciologia e subdividi-lo estratigraficamente; marcante controle do relevo por estruturas rúpteis ligadas ao Arco de Ponta Grossa; existência de grutas e lapas, algumas com material arqueológico; coexistência de vários ecossistemas (campos limpos, cerrado, floresta de araucária), que refletem diferentes condições paleoclimáticas, e onde subsistem espécies da fauna e flora nativos que se encontram ameaçadas de extinção fora das áreas de preservação.

Relevo

O Canyon do Guartelá é a transposição da Escarpa Devoniana, uma escarpa de cuesta, pelo Rio Iapó, um rio antecedente cujo ancestral deve remontar ao Jurássico, época do último grande soerguimento do Arco de Ponta Grossa (Fig. 2). O canyon é mais um marcante traço do relevo do estado do Paraná resultante da reativação deste arqueamento no Mesozóico. Os outros são os planaltos erosivos escalonados, a Escarpa Devoniana e os enxames de diques que sustentam cristas alongadas na direção NW-SE, paralelas ao eixo do arqueamento.

O Rio Iapó tem suas nascentes no Primeiro Planalto Paranaense, a leste do Guartelá. Antes de enveredar pelo canyon afunilado, o rio meandra numa extensa planície de inundação com vastos depósitos aluviais, junto aos quais situa-se a cidade de Castro. Daí o nome Iapó, que em linguagem indígena quer dizer "rio que alaga" (LANGE 1994).

O padrão de drenagem na região do Guartelá é nitidamente retangular, com os trechos retilíneos mais longos orientados segundo NW-SE. O canyon é, na verdade, uma sucessão de trechos retilíneos principais orientados a NW-SE, unidos por trechos menores a NE-SW (Fig. 3).

O leito do Rio Iapó nas proximidades de Castro, a montante do canyon, situa-se perto da cota 980 m, e nas proximidades de Tibagi, a jusante do canyon, da cota 760 m. Os cumes mais elevados da Escarpa Devoniana nas proximidades do Guartelá atingem 1279 m. Na área do parque estadual, o desnível entre o leito do rio e os topos da escarpa é da ordem de 400 m.

As estruturas rúpteis (falhas, fraturas e diques associados), os diferentes litotipos do Arenito Furnas, bem como suas estruturas sedimentares (estratificações planoparalelas e cruzadas) contribuem para elaborar formas bizarras esculpidas pelos agentes intempéricos (Figs. 4 e 5), originando relevos ruiniformes característicos (AB'SÁBER 1977, MELO & COIMBRA 1996). Águas pluviais infiltradas no arenito percolando através de fraturas e das estratificações originam erosão alveolar e túneis anastomosados (FORTES 1996, MELO & COIMBRA 1996), que combinam dissolução do cimento caulínico e remoção mecânica dos grãos, formando escavações que contribuem para a ornamentação das bizarras esculturas (Fig. 6).

Uma feição comum sobre o platô arenítico são as depressões fechadas encharcadas, que muitas vezes constituem lagoas (Fig. 3). É o caso da Lagoa Bonita, a qual já foi estudada para reconstituição paleoclimática da região (BEHLING 1997a e 1997b). Admite-se que tais depressões resultem da remoção subterrânea, tanto química quanto mecânica, de material constituinte do Arenito Furnas (cimento caulínico e grãos). Tal remoção é promovida pelas águas de infiltração, principalmente ao longo de direções estruturais que favorecem a permeabilidade do maciço.

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Fig. 4 - Relevo ruiniforme esculpido no Arenito Furnas com formas controladas pelas estruturas sedimentares e rúpteis. Notar vegetação de campos dominante e matas em capões e no fundo do vale.

 

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Fig. 5 - Relevo ruiniforme esculpido no Arenito Furnas, observando-se fraturas poligonadas na superfície da rocha. Notar algumas árvores típicas de cerrado e predomínio da vegetação de campos.

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Fig. 6 - Erosão alveolar e túneis anastomosados, estes controlados por estruturas preexistentes no arenito, encontrados na Formação Furnas nas escarpas do Canyon do Guartelá.

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Fig. 7 - Pistas fósseis (Paleophycus) paralelas ao acamamento do Arenito Furnas, encontradas junto à cachoeira da Ponte de Pedra.

Estratigrafia

A Escarpa Devoniana é uma escarpa de relevo de cuesta que marca o início da ocorrência das unidades da borda leste da Bacia do Paraná sobre seu embasamento mais antigo. É assim denominada por ser sustentada pelo Arenito Furnas, de idade devoniana, pelo que seria mais apropriado denominá-la "Escarpa do Arenito Devoniano", visto que a escarpa é uma feição muito mais jovem, posterior à reativação do Arco de Ponta Grossa no Mesozóico.

As rochas que aparecem no embasamento da Bacia do Paraná na região do Canyon do Guartelá são incluídas no Grupo Castro (Ordoviciano), compreendendo rochas vulcânicas (riolitos, andesitos), piroclásticas (cineritos, lapíli), terrígenas (conglomerados, arcóseos, siltitos, argilitos) e brechas vulcânicas intercaladas, tectonicamente muito deformadas, freqüentemente verticalizadas. Ocorrem no leito do Rio Iapó por grande extensão do canyon.

A unidade basal da Bacia do Paraná na região é representada pela Formação Iapó (limite Ordoviciano/Siluriano), incluída no Grupo Rio Ivaí. É constituída por diamictitos com matriz lamosa cinza-clara e seixos facetados e estriados, interpretados como tilitos subglaciais, que apresentam espessura inferior a 20 m (ASSINE et al. 1998). A ocorrência desta unidade não é contínua, razão pela qual ela aparece, por exemplo, no início da subida da Escarpa Devoniana pela rodovia PR-340, e deixa de aparecer em vários locais ao longo do canyon.

Em contato discordante sobre a Formação Iapó aparece a Formação Furnas, ou Arenito Furnas (Devoniano Inferior), o qual apresenta na área uma espessura máxima entre 250 e 300 metros (MAACK 1970, ASSINE 1996). Mostra passagem gradual para os estratos basais da Formação Ponta Grossa sobreposta, com a qual compõe o Grupo Paraná.

A Formação Furnas é constituída predominantemente por arenitos médios a grossos de coloração clara, relativamente homogêneos, feldspáticos e/ou caulínicos no pacote basal, com grãos angulosos a subangulosos. A típica coloração clara é devida à presença da caulinita e ilita como ligantes dos grãos de quartzo e feldspato (RAMOS & FORMOSO 1975). A caulinita presente exibe tanto aspecto detrítico como neoformado (MELO 1999, MELO et al. 1999), enquanto a ilita parece ser dominantemente neoformada (MELO 1999).

Principalmente na porção basal ocorrem intercalações métricas de conglomerados e arenitos conglomeráticos quartzosos. Em direção ao topo, aparecem camadas métricas de arenitos finos e siltitos argilosos, estas últimas cada vez com maior freqüência, caracterizando a passagem gradacional interdigitada para os sedimentos da Formação Ponta Grossa (LANGE & PETRI 1967). Estas variações faciológicas, bem observáveis nos afloramentos das escarpas rochosas do Canyon do Guartelá, levaram ASSINE (1996) a propor a subdivisão da Formação Furnas em três associações faciológicas, correspondentes à hierarquia de membros, além das "camadas de transição" na passagem para a Formação Ponta Grossa sobreposta. São elas:

a) Unidade I (inferior): constituída de arenitos médios a muito grossos intercalados com arenitos conglomeráticos e conglomerados quartzosos, dispostos em sets tabulares a lenticulares, com espessura de 0,5 a 1,5 m, com estratificação cruzada planar e tangencial na base; ocorre conglomerado basal (até 2 m de espessura), com clastos quartzosos arredondados de no máximo 12 cm; atinge 30 m de espessura no canyon;

b) Unidade II (média): arenitos predominantemente médios, em sets tabulares a cuneiformes com 0,5 a 2,0 m de espessura com estratificação cruzada planar a tangencial na base, que podem gradar lateralmente para siltitos ou folhelhos brancos a esverdeados, onde podem aparecer evidências de atuação de ondas; são comuns pistas fósseis paralelas ao acamamento (Paleophycus, Fig. 7); atinge 120 m de espessura no canyon;

c) Unidade III (superior): arenitos médios a muito grossos em sets com até 5,0 m de espessura com estratificação cruzada tabular e acanalada; presença de depósitos residuais (lags) com até 0,5 m de espessura, contendo seixos e calhaus arredondados de quartzo e quartzito com até 15 cm; atinge 120 m de espessura no canyon.

O paleoambiente da Formação Furnas tem sido muito discutido, interpretado ora como continental a transicional (ASSINE et al. 1994, MILANI 1997, MILANI et al. s.d.) ora como marinho (ASSINE 1996). A passagem interdigitada para os sedimentos da Formação Ponta Grossa sobreposta mostra indiscutível transgressão no topo da Formação Furnas.

As rochas mais recentes presentes na região do Canyon do Guartelá são atribuíveis à Formação Serra Geral (Jurássico Superior a Cretáceo Inferior). Elas são representadas por muitos diques, dominantemente de diabásio, mas incluindo também microdiorito, quartzo-microdiorito e microdiorito pórfiro (TREIN et al. 1966a).

Os diques aparecem na forma de corpos tabulares paralelos verticalizados orientados segundo NW-SE, longitudinais ao eixo do Arco de Ponta Grossa. Atingem até duas centenas de metros de espessura e mais de 20 km de extensão. Ocorrem até 20 diques numa faixa de 4 km de largura (Fig. 3), constituindo um dos mais notáveis exemplos de enxames de diques do Brasil.

Estruturas Geológicas

O Canyon do Guartelá situa-se sobre o eixo do Arco de Ponta Grossa, uma importante estrutura de direção NW-SE da Bacia do Paraná. É um arqueamento na forma de alto estrutural com eixo inclinado para NW, ativo desde o Paleozóico, mas palco de intensa atividade tectônica sobretudo no Mesozóico. Nesta época, os movimentos verticais ao longo do arqueamento atingiram seu apogeu, e profundas fraturas longitudinais deram passagem ao magma formador dos extensos derrames da Formação Serra Geral, que aparecem no Terceiro Planalto Paranaense, na porção oeste do Estado. O Arco de Ponta Grossa é considerado um ramo abortado de junção tríplice durante a fragmentação do Gondwana e origem do Atlântico Sul (HERZ 1977).

O Arco de Ponta Grossa é o responsável por algumas das feições geológicas e geomorfológicas mais notáveis do flanco leste da Bacia do Paraná:

a) fraturas, falhas e enxames de diques, predominantemente de diabásio, de direção NW-SE, os quais controlam o relevo e hidrografia locais;

b) concavidade do contato dos sedimentos paleozóicos da Bacia do Paraná sobre o embasamento, e exposição de unidades inferiores (formações Furnas e Ponta Grossa) não aflorantes em muitos locais da bacia; esta reentrância corresponde à remoção erosiva dos sedimentos paleozóicos nas porções mais soerguidas do arqueamento;

c) escalonamento do relevo em planaltos de origem erosiva no Estado do Paraná, resultantes da conjugação do efeito do levantamento tectônico no Arco de Ponta Grossa com a erosão diferencial agindo sobre as rochas da Bacia do Paraná e embasamento proterozóico a ordoviciano.

O Rio Iapó, no trecho do canyon, entre Castro e Tibagi, é fortemente controlado pelas estruturas rúpteis de direção NW-SE, longitudinais ao eixo do Arco de Ponta Grossa. Elas encaixam os principais trechos retilíneos do rio, os quais são interligados por estruturas aproximadamente NE-SW, transversais às anteriores e menos comuns que elas (Fig. 3). Estas estruturas NE-SW, desprovidas de diques, várias vezes os cortam, o que sugere serem mais jovens.

Ecossistemas e Paleoclimatologia

Predominam na região do Canyon do Guartelá e vizinhanças os campos limpos do tipo savana gramíneo-lenhosa (TAKEDA et al. 1996, MORO 1998), que ocupam a maioria dos topos das elevações e encostas (Figs. 4, 5, 8 e 9). A uniformidade fisionômica dos campos é interrompida pela ocorrência de matas de Araucaria, que aparecem na forma de matas ciliares (freqüentemente encaixadas no fundo de vales na forma de canyons) ou em capões isolados (Figs. 4 e 8). Tal formação florestal é incluída na zona fitoecológica da floresta ombrófila mista (VELOSO & GÓES-FILHO 1982), situando-se na denominada "região dos campos limpos com capões e matas ciliares ou galerias ao longo dos rios e arroios (também zonas de Araucária)" de MAACK (1981).

A vegetação nos campos é formada principalmente por gramíneas, ciperáceas, compostas, verbenáceas e leguminosas, que formam cobertura herbácea densa (TAKEDA et al. 1996, MORO 1998).

Nos capões distinguem-se diversos estágios de sucessão. Nos núcleos pioneiros predominam espécies heliófilas das famílias Myrtaceae, Anacardiaceae e Euphorbiaceae, com ausência da Araucaria. Nos núcleos mais evoluídos "...a Araucaria encontra-se circundada por uma sub-mata de Myrtaceae e Lauraceae, em cuja orla ocorrem abundantemente Melastomataceae e Compositae" (MORO 1998, p.14).

Nas matas que acompanham os cursos e corpos d'água, como é o caso do Rio Iapó no canyon, além das famílias que aparecem nos núcleos mais evoluídos descritos acima, ocorrem também Palmae, taquaras e pteridófitas (samambaias). Nos estágios mais evoluídos das matas ciliares aparece também o angico (Leguminosae), o qual é observado ao longo do Rio Iapó.

No Guartelá ocorre ainda um encrave com formação fitoecológica típica de savana arbórea aberta (TAKEDA et al. 1996), com algumas famílias indicativas, como Vochysiaceae, Ochnaceae (Fig. 9) e Caryocaraceae. O encrave é interpretado como um relicto de vegetação de clima semi-árido que teria dominado o Paraná em épocas pretéritas (MAACK 1949, KLEIN 1984), ocorrendo hoje remanescentes no Rio das Cinzas (Jaguariaíva e Sengés), Sabáudia, Campo Mourão e Guartelá, sendo esta última a mais meridional do Brasil. Em Londrina (norte do Paraná) a análise de isótopos de carbono em solos sob floresta mesofítica semidecídua atual indicou que entre 5450 e 9340 anos AP o cerrado dominava a paisagem (PESSENDA et al. 1996).

A preservação de tal relicto de cerrado é atribuído a dois fatores: o isolamento imposto pela Escarpa Devoniana, e a baixa fertilidade dos solos derivados de arenitos quartzosos (MAACK 1948 e TAKEDA et al. 1996).

Outro ecótono (zona de transição) descrito no Guartelá corresponde aos campos brejosos, onde predominam Cyperaceae e Juncaceae, com presença freqüente de Eriocaulaceae, Polygalaceae e Xyridaceae (TAKEDA et al. 1996). Tais campos aparecem nas lagoas fechadas do platô arenítico, e nas zonas de afloramento do lençol freático nas vertentes. A análise da assembléia polínica presente nos sedimentos acumulados na Lagoa Bonita, uma destas lagoas fechadas (Fig. 3) tem indicado que a expansão da Araucaria na região, marcando passagem para clima mais úmido, iniciou-se cerca de 3000 anos AP (BEHLING 1997a e 1997b).

Os diversos ecossistemas presentes no Guartelá, além da flora típica, abrigam várias espécies de fauna ameaçadas fora dos limites do parque. Pode-se mencionar a curucaca, falcão quiri-quiri, codorna, perdiz, jacu (aves), e, dentre a mastofauna, tamanduá-mirim, bugio, tatu, capivara e o lobo guará (Chrysocyon brachyurus), este último uma espécie rara, ameaçada de extinção.

Sítios Arqueológicos

Vários abrigos naturais do Guartelá, representados por lapas do Arenito Furnas, apresentam material arqueológico dos paleoíndios da região. Pelo menos dois destes sítios (lapa Floriano e lapa Ponciano) foram já bem estudados (BLASI 1972), tendo sido encontrados artefatos líticos, fragmentos de cerâmica e muitas pinturas rupestres (Fig. 10). Entre estas, predominam zoomorfos monocrômicos pintados em vermelho, e raros antropomorfos. São atribuídas à Tradição Planalto, que se estende da Bahia ao Paraná (PROUS 1992, SCHIMITZ 1997). Ocorrem também no Guartelá pinturas rupestres atribuídas à Tradição Geométrica (PARELLADA s.d.), caracterizada pelas figuras geométricas (polígonos, pontos, traços, círculos).

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Fig. 8 - Predomínio dos campos limpos nos topos e encostas da área do Canyon do Guartelá, ocorrendo floresta com Araucaria em capões isolados e em matas galerias.

 

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Fig. 9 - Árvore típica de cerrado (Ouratea spectabilis, família Ochnaceae) encontrada em encrave no topo das elevações do Canyon do Guartelá.

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Fig. 10 - Pintura rupestre encontrada na Lapa Floriano, na porção leste do Parque Estadual do Guartelá, com zoomorfos monocrômicos atribuídos à Tradição Planalto associados a figuras geométricas.

A região dos Campos Gerais do Paraná fazia parte do antigo caminho de Peabirú, utilizado pelos indígenas, que ligava a faixa costeira atlântica às regiões interiores da América do Sul. Através desse caminho observavam-se migrações de bandos, em busca de melhores campos de caça/coleta/cultivo, ou simplesmente de novas descobertas. O estudo dos vestígios da região, ainda incipiente, poderá trazer subsídios para esclarecer a sucessão cronológica dos amálgamas culturais das populações indígenas, e as pressões paleoambientais para os movimentos migratórios.

Medidas de Proteção

Alguns riscos ao Canyon do Guartelá provêm da própria instalação do Parque Estadual, dotando a área de infra-estutura para visitação, o que deverá aumentar consideravelmente o número de visitantes. Na primavera de 1999, dois anos após a implantação do parque, já se notava fenecimento da vegetação e início de desenvolvimento de processos erosivos ao longo das trilhas mais concorridas, o que apontava para a necessidade de estabelecer trilhas em trajetos adequados, e levar em conta a capacidade de suporte dos terrenos. Há necessidade de um planejamento detalhado das trilhas, visando não só a preservação do parque, mas também o adequado aproveitamento de seu patrimônio.

O patrimônio natural e arqueológico do parque ainda não se encontra adequadamente conhecido, e não é apresentado ao visitante, o qual pode permanecer alguns dias acampado no local e dele sair sem saber quais os vestígios dos paleoíndios que por ali excursionaram, quais são os ecossistemas lá presentes e sua importância, quais as rochas que sustentam o relevo, como formou-se o canyon, qual seu significado para compreensão da paisagem atual e pretérita.

O principal risco para o Canyon do Guartelá, entretanto, refere-se à ameaça representada pelo manejo das áreas vizinhas ao parque estadual. Nelas, algumas práticas, como a queimada dos campos ao final do inverno, para estimular a brotação, e o florestamento com Pinus, que semeia pelo vento e é extremamente danosa às espécies nativas, trazem a ameaça de incêndios e introdução de espécies exóticas incontrolados. Somente o manejo adequado de todo o contexto da Escarpa Devoniana, já abrangida por APA criada por decreto estadual de 1992 mas ainda não implantada, poderia minimizar tais ricos. O plano de manejo da APA poderia, também, prever o estabelecimento de corredores de habitats naturais, de modo que unidades de conservação, como o Parque Estadual do Guartelá, cumprissem não só o papel de preservar amostras de ecossistemas, mas também representar a interligação vital para o funcionamento de ecossistemas naturais em extensas regiões (ROCHA 1997).

Referências Bibliográficas

AB'SÁBER, A.N. 1977. Topografias ruineformes no Brasil. São Paulo, USP - Inst. Geografia, Geomorfologia, n.50, 14p.

ASSINE, M.L. 1996. Aspectos da estratigrafia das seqüências pré-carboníferas da Bacia do Paraná no Brasil. São Paulo, Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, Tese de Doutoramento, 207p.

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