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SIGEP

Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 066

ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA

Data: 27/01/2000

FERNANDO F.M. DE ALMEIDA
ffma@uol.com.br  
Departamento de Minas, Escola Politécnica
Universidade de São Paulo

© Almeida,F.F.M. 2000. Arquipélago Fernando de Noronha. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 27/01/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio066/sitio066.htm [Atualmente https://sigep.eco.br/sitio066/sitio066.htm ]

Versão Final Impressa:
© Almeida,F.F.M. 2002. Arquipélago de Fernando de Noronha - Registro de monte vulcânico do Atlântico Sul. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, v.01: 361-368.

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(A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial)  

RESUMO
Fernando de Noronha é um pequeno arquipélago vulcânico situado no Atlântico Sul equatorial, a 350 km de Natal. É constituído de rochas do alto de um monte vulcânico que faz parte da cadeia homônima desenvolvida numa zona de fraturas oceânicas orientadas a E-W. Tem cerca de 18,4 km², 90% dos quais na ilha principal que lhe dá o nome. Além dela possui 18 pequenas ilhas, que se destacam acima de uma reduzida plataforma insular que trunca a montanha vulcânica a até cerca de 100 m de profundidade. As rochas são vulcânicas e subvulcânicas fortemente alcalinas e subsaturadas. Representam dois episódios vulcânicos maiores cujos produtos constituem as formações Remédios e Quixaba. As do mais antigo, datado do Mioceno Superior, são piroclastos penetrados por domos, plugs e diques fonolíticos e traquíticos e por numerosos diques de variados tipos de rochas alcalinas. Processos erosivos destruíram as rochas vulcânicas desse ciclo, seguindo-se Quixaba, do Plioceno Superior, representado por derrames de ankaratritos, rochas piroclásticas e raros diques de nefelinito. O arquipélago tem população de pouco menos de 3.000 habitantes, concentrados na ilha principal, e pequena população flutuante de turistas e pesquisadores. É um Parque Nacional Marinho. Tem clima agradável, belo relevo, lindas praias e mar muito limpo, com golfinhos, tartarugas e muitos peixes. Acessível a aviões, constitui um importante atrativo turístico, embora não disponha de estrutura adequada. O turismo não é incentivado, objetivando a preservação da ecologia.

ABSTRACT
Fernando de Noronha is a small volcanic archipelago in the equatorial South Atlantic, 350 km off the city of Natal, the Rio Grande do Norte State capital, northern Brazil. The archipelago consists mainly of highly alkaline and subsatured volcanic and subvolcanic rocks and are part of a homonymous volcanic mountain developed along an E-W oceanic fracture zone. It encompasses an area of 18.4 km², 90% of which within the main island. There are also 18 minor islands outcropping on a reduced island platform that truncates the volcanic mountain as deep as approximately -100 m. The Remédios and Quixaba formations represent two major volcanic episodes. The former one, dated Upper Miocene, comprises pyroclastics intruded by phonolite and trachyte domes, plugs and dikes, as well as by a number of dikes showing a varied types of alkaline rocks. Erosion processes destroyed the volcanic rocks from this cycle, and was followed by the Quixaba Formation, during the Upper Pliocene, represented by ankaratrite lava flows, pyroclastic rocks and rare nefelinite dikes. The archipelago has a population of no more than 3,000 inhabitants, concentrated in the principal island, and a small floating population of tourists and researchers. It is a Marine National Park accessed by air flights, offering a pleasant weather, beautiful landscapes, wonderful beaches and very clean seawater, with dolphins, turtles and many fish types. Despite of its natural attractions, the tourism has not been stimulated, not only due to the poor available infrastructure, but also to preserve the local ecology.

INTRODUÇÃO

    O estudo das pequenas ilhas oceânicas oferece um especial interesse científico pelas informações que pode trazer sobre a natureza da crosta oceânica e os processos relacionados com sua expansão. Além disso, podem constituir sítios aprazíveis para o turismo (Figura 3) e importantes pesquisas ecológicas.

SITUAÇÃO

    O arquipélago situa-se no Atlântico Sul equatorial a 3º 51' S e 32º 25'  WG (Figura 1). Constitui-se de uma ilha principal que lhe dá o nome, com cerca de 16,4 km² que representam 91% da área do arquipélago. Rodeiam-na 20 ilhotas das quais Rata (Figura 4), a maior, tem 81 ha. Elevam-se de uma plataforma de erosão com cerca de 3 a 4 km de largura e até uns 100 m de profundidade, além da qual crescem rapidamente os fundos para comporem um monte cônico com cerca de 60 km de diâmetro na base apoiada no assoalho oceânico a 4.000 m de profundidade. Essa montanha participa de um alinhamento de montes vulcânicos submarinos que compõem a Cadeia de Fernando de Noronha, orientada a E-W, na zona de fratura do mesmo nome. Na projeção desse alinhamento em direção à costa do Ceará apresenta-se o guyot do Ceará, que interrompe o talude continental. Nos arredores de Fortaleza ocorrem rochas intrusivas da mesma natureza que as de Fernando de Noronha, tendo Cordani (1970) datado fonólito que acusou idade de cerca de 30 Ma. Tais fatos sugerem que a zona de fraturas afetou a borda da crosta continental. O atol das Rocas também é um guyot vulcânico dessa cadeia, arrasado pelo mar e inteiramente coberto por recifes de algas Lithothamnium e areias provenientes de organismos marinhos.

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Figura 1 - Situação do Arquipélago de Fernando de Noronha em relação à costa brasileira
Figure  1 - Situation of the Fernando de Noronha Archipelago at the Brazilian coast


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Figura 2 - Mapa geológico de Almeida (1955) simplificado por M.C.N. Ullbrich (1994). Abreviaturas: B, baía; E, enseada; I, ilha; M, morro; Pr, praia; Pt, ponta
Figure  2 - Geological map of Almeida (1955) as simplified by M.C.N. Ullbrich (1994). Abbreviations: B, bay; E,
inlet; I, island; M, hill; Pr, beach; Pt, cape

 

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Figura 3 - Vista da praia do Leão, no lado E da ilha principal. Foto G. Barreto, rev. Terra, dez 1999, p. 31
Figure 3 - Leão beach, at the E side of the main island. Photo G. Barreto, rev. Terra, dez 1999, p. 31

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Figura 4 - Ilha Rata. Foto G. Barreto, rev. Terra, dez 1999, p. 33
Figure 4 -
Ilha Rata. Photo G. Barreto, rev. Terra, dez 1999, p. 33

HISTÓRICO

    O arquipélago foi descoberto oficialmente por Américo Vespúcio em 1503 e recebeu no ano seguinte o nome de um fidalgo português, Fernão de Loronha, a quem foi doado pela Coroa. Foi ocupado pelos holandeses em 1612 e 1635-1654 e franceses em 1736, logo expulsos pelos portugueses, que então fortificaram a ilha principal. Na segunda metade do século XIX foi visitado por diversos investigadores estrangeiros, desde que C. Darwin (1839), que nele esteve em l832 na histórica viagem do Beagle, divulgou suas observações sobre a geologia e petrografia, e a natureza vulcânica da ilha principal. Amostras de rochas coletadas por essas expedições foram estudadas por diversos petrógrafos, destacando-se Smith e Burri (1933). Deve-se a Branner (1888, 1889, 1890) descrições mais específicas sobre a geologia do arquipélago e posição ocupada por muitas das rochas coletadas e descritas por vários investigadores. Ele fez interessantes observações sobre os calcarenitos, dunas e praias do arquipélago. Na primeira metade do século XX foi grande o descaso pelos estudos de geologia e petrografia do arquipélago, mas em 1948 o Departamento Nacional da Produção Mineral enviou a ele o engenheiro Pouchain, que no ano seguinte teve publicados os resultados de suas investigações relativas aos fosfatos e calcarenitos da ilha Rata. O presente autor, como engenheiro desse Departamento, teve oportunidade de realizar três viagens ao arquipélago, quando executou seu mapa geológico (Figura 2) em escala 1:15.000 e realizou estudos sobre sua geomorfologia, petrografia, história geológica, geoquímica e petrogênese (Almeida, 1955). Trabalhos publicados posteriormente analisaram sobretudo os aspectos geoquímicos (Gunn e Watkins, 1978; Gerlach et al. 1987; Schwab e Block, 1985; Weaver, 1990; Ulbrich et al., 1994). Ulbrich (1994) descreveu a petrografia e discutiu a diversificada nomenclatura e classificação das rochas do arquipélago. Cordani (1970) datou várias de suas rochas pelo método K-Ar. Maringolo (1994) elaborou tese sobre os diques da ilha principal.
   
O arquipélago tem sido sucessivamente administrado por diversos orgãos governamentais, pertencendo hoje ao Estado de Pernambuco.

DESCRIÇÃO DO SÍTIO

Aspectos Geográficos

    Fernando de Noronha apresenta relevo modesto para uma ilha vulcânica oceânica. Em sua região central existe um baixo platô a cerca de 30 a 45 m sobre o mar que resulta de uma superfície de erosão esculpida em tufos e brechas vulcânicas em condições subaéreas. Dele se elevam morros de rochas fonolíticas (Figura 5) dos quais o mais alto e também o mais elevado da ilha, é o do Pico (321 m), uma curiosa forma de erosão devida à queda de blocos de juntas (Figura 6). Morros fonolíticos destacam-se dessa área aplainada, na qual foi construída a pista de aviação. Esse platô central é ladeado por dois planaltos de relevo suavizado que se elevam a altitudes de 150-200 m. Ambos se constituem de rochas piroclásticas alternadas com derrames de lava ultrabásica nefelínica (ankaratrito). Apresentam escalonamento obedecendo ao declive suave dos derrames. Terminam em talude moderado em direção à costa, ou ainda em elevadas falésias. Os traçados dos vales, normalmente secos, são muito influenciados pela estrutura geológica e têm origem nos morros fonolíticos. As pequenas ilhas do arquipélago oferecem aspectos diversos, de acordo com sua constituição geológica. As fonolíticas apresentam-se como picos destacados (ilhas do Frade, Sela Gineta, Cabeluda). As de derrames de lava são tabulares, como Rata e São José, ou rochedos escarpados (Dois Irmãos). As ilhas formadas por calcarenitos são baixas e de relevo tabular (ilhas do Meio e Rasa).

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Figura 5 - Aspecto da superfície de erosão do platô central. Morros em fonólitos. Foto F.F.M. Almeida
Figure 5 - Aspect of the erosion surface of the central plateau. Mountains on phonolite. Photo F.F.M. Almeida

 

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Figura 6 - Morro do Pico. Relevo residual em fonólito. Foto F.F.M. Almeida
Figure 6
-  Pico Mountain. Residual relief in phonolite.  Photo F.F.M. Almeida

 

    Junto às bordas sul e oriental da ilha principal, mais expostas ao embate das vagas originadas pelos ventos alísios, existem falésias nas lavas; são abundantes os recifes de algas Lithothamnium e escassas as praias arenosas, que têm maior desenvolvimento no litoral norte. Dunas ativas existem junto às praias arenosas do litoral norte. Níveis marinhos antigos são presumíveis ou reconhecíveis na ilha principal. O mais alto serviu de nível de base para a erosão que esculpiu o planalto central. Estaria a uns 30 m acima do nível atual do mar. Outro é atestado pela presença de calcário marinho formado por algas Lithophyllum nas vizinhanças do porto, na península de Santo Antônio (Figura 7). Depósitos de praia contendo seixos rolados, restos de peixes, corais e outros organismo marinhos existem nessa península elevados a 7 m sobre o nível do mar e afastados 70 m da linha de costa. Depósitos semelhantes em outros locais podem ser reconhecidos a até 12 m sobre o nível do mar atual. O arenito das Caracas, que descreveremos adiante, é posterior a esse nível, pois recobre seus depósitos. Esse arenito formou-se quando o nível do mar se achava a uns 6 m abaixo do atual. Extensas praias existiam então a sul e leste do arquipélago e dunas de areia calcária cobriam as atuais ilhas a nordeste (Figura 8). Conglomerados e arenitos antigos na pequena ilha Chapéu de Nordeste, Rata e outras repousam sob o arenito eólico Caracas.

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Figura 7 - Calcário marinho em terraço a 9 metros acima do nível do mar. Península de Santo Antônio. Foto F.F.M. Almeida
Figure 7 - Marine limestone in a terrace 9 m above sea level. Santo Antônio Peninsula.  Photo F.F.M. Almeida.

Figura 8 - Baía de Sueste, vale fluvial inundado com a elevação do nível do mar. Na barra, restos de antigas dunas consolidadas (arenito das Caracas). Foto F.F.M. Almeida
Figure 8 - Sueste Bay, a flooded fluvial valley after the elevation of the sea level. In the bar, rests of ancient consolidated dunes (Caracas arenite).  Photo F.F.M. Almeida

 

    O clima do arquipélago, do tipo Awi, é semelhante ao da costa oriental do Rio Grande do Norte. Tem duas estações bem marcadas, a chuvosa de fevereiro a julho. Persistentes ventos alísios sopram de ENE.
   
A vegetação original foi quase toda destruída.. Hoje, o revestimento vegetal constitui-se de escassa vegetação arbustiva ou arbórea de pequeno porte e grandes áreas de macega, ervas e gramíneas.

Geologia Regional

    Fernando de Noronha é um arquipélago em que se expõem rochas vulcânicas de idades miocênica e pliocênica. Constitui-se de um substrato de rochas piroclásticas penetradas por grande variedade de magmáticas alcalinas que, após prolongado hiato, foram recobertas por derrames de rochas ultrabásicas nefelinícas (ankaratritos) e seus piroclastos. Como sedimentos ocorrem nas ilhas reduzidos depósitos litorâneos, marinhos e eólicos, pertencentes ao ciclo atual e a outros, do Quaternário.
   
As rochas mais antigas, reconhecíveis in situ no arquipélago, constituem a Formação Remédios (Almeida, 1955). São magmatitos intrusivos em piroclastos variados e que suportam as maiores elevações da parte central da ilha principal. As rochas piroclásticas parece que só afloram nessa ilha. Constituem-se de fragmentos de diversas dimensões, sem qualquer classificação por tamanho, podendo atingir blocos com um metro ou mais de diâmetro. Podem formar camadas irregulares de tufos, brechas e aglomerados. Entre os fragmentos destacam-se variedades de rochas fonolíticas, traquíticas e essexíticas. Sua espessura exposta pode exceder 100 m. Elas resultam dos paroxismos explosivos que precederam e acompanharam a intrusão dos corpos fonolíticos e traquíticos.
   
Reconhecem-se na ilha principal onze grandes corpos independentes de rochas fonolíticas. O que contém o Pico tem 950 m2 expostos fora do mar, valor que atinge 1.070 m2 no domo da Boa Vista. Diques fonolíticos são freqüentes, alguns com vários metros de espessura. Os domos e plugs fonolíticos de Fernando de Noronha são de consolidação endógena, expostos pela erosão realizada antes que se processassem as efusões ankaratríticas. De resto, todas as rochas magmáticas da Formação Remédios são endógenas, como se conclui de suas juntas, estruturas laminares e modo de ocorrência. Uma pequena mas interessante estrutura dômica formada por traquito ocorre na praia do Leão, no costa sul das ilha, mas a expressão mais comum desse tipo de rocha é sob forma de grandes diques.
   
Ocorrem em Fernando de Noronha numerosos diques de rochas lamprofíricas sódicas: monchiquitos, furchitos, camptonitos e outros tipos raros, constituindo a maioria dos diques bem observados à beira-mar (Figura 9). Também existem diques de ankaratrito, augitito, álcali-traquito, limburgito, sanaíto, olivina teschenito, essexito pórfiro, olivina-nefelinito, basanito, gauteíto e outras rochas. A nomenclatura petrográfica de muitos desses diques, como de outras rochas da ilha, é até hoje controvertida (Ulbrich, l994; Maringolo, 1994). A orientação predominante desses diques varia entre NW e NE. Fonólitos, traquitos e essexitos pórfiros são aparentemente as rochas magmáticas mais antigas expostas na ilha.

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Figura 9 - Diques de monchiquito na falésia da ponta de Atalaia. Foto F.F.M. Almeida
Figure 9 - Monchiquite dikes at the shore cliff of the Atalaia Point. Photo F.F.M. Almeida

    As rochas fortemente melanocráticas, em que feldspatos são muito escassos quando não ausentes, são as mais recentes da Formação Remédios. Equivalentes efusivos de algumas dessas rochas devem ter existido no alto do edifício vulcânico, mas foram destruídos pela erosão que precedeu os derrames ankaratríticos.
   
Mereceu atenção o estudo dos xenólitos e ejetólitos da Formação Remédios por representarem possíveis rochas muito profundas do edifício vulcânico. Entre seus clastos predominam rochas reconhecidas em afloramentos na ilha principal, porém identificamos algumas que nela não parece ocorrerem, como sienitos nefelínicos e hornblenda gabros.
   
A Formação Quixaba (Almeida, 1955) constitui um empilhamento de negros derrames de lava ankaratrítica alternados com piroclastos de componentes da própria lava. Aflora nos dois planaltos escalonados da ilhas principal, no oriental podendo-se reconhecer até 180 m de espessura exposta acima do nível do mar. A formação constitui algumas ilhas, com destaque para a ilha Rata. Os derrames, quando não são horizontais, apresentam inclinações de até 30º para sul, sentido do escoamento das lavas. Os derrames são maciços em seu interior porém vesiculares ou amigdaloidais na base e sobretudo no topo (Figura 10). Sua espessura varia, podendo ultrapassar 40 m na falésia da baía do Sancho, mas geralmente apresenta alguns metro somente. Vimos derrames de melilita ankaratrito (Figura 11) com menos de dois centímetros de espessura, alternados com tufos lapílicos contendo bombas do mesmo material. As rochas piroclásticas são tufos, tufo-brechas, lapilli-tufos e aglomerados, constituídos essencialmente de componentes provenientes dos derrames, inclusive cristais isolados. Blocos angulosos de lava alcançam 2 m. Não são raros perfeitas bombas e fragmentos de lava cordada. Quando não constituem um conjunto caótico de fragmentos de variadas dimensões, podem mostrar-se com estratificação grossa ou, localmente, em estratos finos, bem acamados. Uma estrutura que nos chamou atenção é a chaminé de Tamandaré, na extremidade nordeste da ilha principal. Tem cerca de l30 m de diâmetro e perfura o derrame inferior. Suas paredes, em ankaratrito, têm restos de tufo e aglomerado de chaminé, sendo atravessadas por diques. A maré baixa descobre a lava escoriácea de seu interior. Foi local de escape de soluções, onde se formou muita calcita que, em perfeitos escalenoedros, preenche fraturas nas brechas e aglomerados. Diques de nefelinito de granulação grossa foram vistos em poucos locais da ilha principal.

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Figura 10- Três derrames de lava ankaratrítica na ponta das Caracas. Foto F.F.M. Almeida
Figure 10
- Three flows of ankaratritic lava at Caracas Point. Photo F.F.M. Almeida

 

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Figura 11 - Delgados derrames de melilita ankaratrito contendo bombas da mesma rocha. Falésia da praia de Quixaba. Foto F.F.M. Almeida
Figure 11 - Thin flows of melilite ankaratrite containing bombs of the same rock. Shore cliff at the Quixaba beach. Photo F.F.M. Almeida

    As pequenas ilhas São José, Cuscuz e de Fora, vizinhas à terminação norte da península de Santo Antônio, são constituídas de um mesmo derrame horizontal de basanito cuja espessura original excede 25 m (Figura 12). Os ankaratritos da referida ponta, assim como os do sopé da ilhota Chapéu de Nordeste, descobertos em maré baixa, têm inclinação para NE, o que levou o autor a supor ser o basanito mais novo que a Formação Quixaba, tendo-lhe atribuído o nome de Formação São José. Chama atenção nesse derrame a abundância e dimensões dos xenólitos de dunito de cor verde-garrafa, constituídos quase inteiramente de olivina. Ulbrich (1994) refere também xenólitos de lherzolito e harzburgito. Têm formas angulosas a subarredondadas (Figura 13) e vimo-los com diâmetro de até 35 cm. São fragmentos de corpo rochoso volumoso englobados pelo magma e por ele trazidos à superfície. Na ilha de São José percebe-se que os maiores e mais numerosos xenólitos são encontrados na parte inferior do derrame, como resultado de um processo de decantação. Possivelmente procedem de zona profunda e antiga do manto superior. Apesar de as idades obtidas por Cordani (1970) para o basanito da ilha de São José serem anteriores às da Formação Quixaba, elas podem ser enganadoras, pois a rocha está contaminada com xenólitos de olivinito mantélico. Schwabe e Block (l985) concluíram que esse basanito mostra relações geoquímicas com a Formação Quixaba. Também Ulbrich (1994) acha que essa rocha não deve ser considerada uma formação, mas provavelmente representa a culminação do vulcanismo Quixaba e pode ser correlacionada petrograficamente aos basanitos de uma chaminé que atravessa os ankaratritos na baía do Sancho, identificada por Ulbrich e Ruberti (1992).

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Figura 12 - Derrames basálticos cobertos pelo arenito das Caracas. Ilha de São José. Foto F.F.M. Almeida
Figure 12 - Basalt flows covered by the Caracas arenite. São José Island. Photo F.F.M. Almeida

 

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Figura 13 - Xenólitos de dunito no basanito da ilha de São José. Foto F.F.M. Almeida
Figure 13 - Dunite xenoliths in the basanite of the São José Island. Photo F.F.M. Almeida

    Cordani (1970) realizou datações pelo método K-Ar de rochas das ilhas Fernando de Noronha e Trindade. Para a Formação Remédios a rocha mais antiga datada é um álcali-basalto com 12,3 Ma, idade mínima para os piroclastos em que se introduziu. A intrusão dos grandes corpos fonolíticos realizou-se há cerca de 9 Ma. Para o basanito da Formação São José o resultado que considerou mais provável é de 9,5 Ma, obtido em duas amostras, enquanto que outras duas acusaram 8,1 e 21,9 Ma, resultado este que considerou devido a possível perda de argônio por aquecimento. De tal modo essa rocha seria anterior ao vulcanismo Quixaba, com a possibilidade de pertencer à Formação Remédios. Assim o primeiro ciclo vulcânico exposto na ilha data do Mioceno Superior. O vulcanismo Quixaba ter-se-ia realizado entre cerca de 3,3 e 1,7 Ma, portanto no Plioceno Superior.
   
O vulcanismo representado pelas rochas expostas no arquipélago caracteriza-se por ser fortemente sódico-alcalino, subsaturado em sílica (nas rochas não há quartzo, o mineral mais abundante da crosts terrestre), grande amplitude de diferenciação, variando o teor em sílica entre 34,4% (melilita ankaratrito) e 60,8% (álcali traquito). A província magmática de Fernando de Noronha é tida como uma das mais alcalinas entre as ilhas vulcânicas oceânicas do mundo. As frações mais leves dos diferenciados magmáticos foram emitidas mais cedo, originando a Formação Remédios. Seguiu-se, após um hiato erosivo que teria durado de uns 5 a 6 Ma, o vulcanismo ultrabásico da Formação Quixaba.
   
Cessado o vulcanismo no final do Plioceno, seguiu-se um ciclo erosivo que destruiu os aparelhos vulcânicos externos e entalhou a plataforma insular. Com as oscilações pleistocênicas do nível do mar, a plataforma foi coberta por depósitos de areias e cascalhos de praia, recifes de algas calcárias e areias marinhas.
   
Durante o Pleistoceno, com o nível do mar uns seis metros abaixo do atual, existiam extensas praias arenosas a sul e sudeste do arquipélago. Os ventos alísios de SE, tal como hoje, movimentavam essas areias formando campos de dunas que devem ter alcançado uns 20 m de espessura, ligando a área da atual ilha Rata à península de Santo Antônio na ilha Fernando de Noronha. Áreas menores de dunas, como na entrada da baía de Sueste, também se formaram localmente, na costa sudeste da ilha principal. Com a elevação do nível do mar que se seguiu, parte dessas areias foi submersa, e as emersas constituem hoje o calcarenito das Caracas. Esse sedimento, de cor creme clara, constitui-se quase inteiramente de grãos calcários, sobressaindo os originados de algas Corallinaceae, sendo o restante de minerais das rochas magmáticas, excepcionalmente alcançando cerca de 25 % quando o arenito repousa sobre área ankaratrítica e é contaminado com minerais fêmicos. É típica a estratificação cruzada eólica, formada por ventos que sopravam de SE, como já o observara Branner (1889, 1890). Varia sua consistência em função do grau de cimentação calcítica. Na ilha Rata o arenito das Caracas tem sua parte superior substituída parcialmente por fosfato de cálcio originado de exrementos de aves marinhas.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO DO SÍTIO

    A ilha Fernando de Noronha, no Parque Nacional Marinho homônimo estabelecido em 1988, é tida por muitos dos que a visitaram como sendo a mais bela ilha do Brasil. Tem hoje população estável de pouco menos que 3.000 habitantes e uma quantidade flutuante de turistas, ambas numericamente sujeitas a limitação. O turismo foi estabelecido a partir da década de setenta, havendo hoje vôos diários para a ilha desde Recife e Natal. Contudo, há fatores que restringem esse turismo. A ilha é distante; uma taxa de permanência diariamente crescente é cobrada (Maciel Filho, 1999); ela não possui uma infra-estrutura turística, havendo somente um hotel proveniente da adaptação de instalações da base aérea americana existente durante a Segunda Guerra Mundial. Há algumas pousadas na região vizinha à vila dos Remédios, na região oriental da ilha. Existem vários caminhos acessíveis a veículos motorizados, mas só uma estrada asfaltada, de sete quilômetros. A beleza de suas paisagens, o clima agradável, o espetáculo dos golfinhos que pela manhã permanecem numa enseada, as tartarugas marinhas, as belas praias e o mar de águas muito limpas e cheias de peixes constituem grandes atrativos turísticos. As atuais limitações impostas ao turismo e a vigilância exercida pelos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), do Projeto Golfinhos Rotadores, (pesquisas sobre esses cetáceos) e do Projeto Tamar (proteção à desova das tartarugas) parecem-nos garantias suficientes para a preservação adequada da ecologia do arquipélago, que foi muito danificado no passado, quando teve sua mata original destruída.

AGRADECIMENTOS - O autor agradece ao Prof. Dr. C.D.R. Carneiro pela avaliação do texto e elaboração das figuras; ao Prof. Dr. R.P. Xavier pelas sugestões sobre o texto em Inglês, que possibilitaram aprimorar o manuscrito; a Mabel H.C. Ulbrich pela cessão do mapa simplificado do arquipélago e a Marcelo Reginato, pela elaboração do esboço da figura 2.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Branner,J.C. 1888. Notes on the fauna of the Islands of Fernando de Noronha. American Naturalist,. 26, 861-971.

Branner,J.C. 1889. The geology of Fernando de Noronha. Americal Journal of Sciences, 27,145-171.

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Cordani,U.G. 1970. Idade do vulcanismo no Oceano Atlântico Sul. Instituto de Geociências e Astronomia, Boletim IGA, 1, 9-75..

Darwin,C. 1839. Journal of the researches into the Geology and Natural History of the countries visited by H. M.S. Beagle, etc. Henry Colburn, London. 615 p.

Gerlach, D. C.; Stormer Jr.,J. C.; Muller, P.A. 1987. Isotope geochemistry of Fernando de Noronha. Earth and Planetary Science Letters, 85, l29-144.

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Maciel Filho,L. 1999. Fernando de Noronha. O paraíso do Brasil. Viagem e Turismo, 9, 46 - 65.

Maringolo,V. 1994. Estudo petrográfico e químico de alguns diques ultramáficos e máficos do arquipélago de Fernande de Noronha, PE. São Paulo: Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo. 145 p. (Dissertação de Mestrado).

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