Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 056 O CAMPO DE DUNAS INATIVAS DO MÉDIO RIO SÃO FRANCISCO, BAHIA, BRASIL. Data: 28/09/1999 Alcina Magnólia Franca
Barreto*
© Barreto,A.M.F.; Suguio,K.; Oliveira,P.E.; Tatumi,S.H. 1999. O campo de dunas inativas do médio Rio São Francisco, Bahia. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet
em 28/09/1999 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio056/sitio056.htm
Versão Final Impressa: Ver Poligonal da Área de Proteção proposta para o Sítio 056 (A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial) |
RESUMO
O campo de dunas inativas do médio
Rio São Francisco representa, sem dúvida, um dos mais importantes registros de mudanças
paleoambientais, principalmente paleoclimáticas, durante o Quaternário no Nordeste
Brasileiro. Tal importância advém não somente da sua extensão (cerca de 7.000 km2)
e espessura (mais de 100 m), mas também como testemunho de antigos climas mais secos que
o atual, que interferiram fortemente na evolução da fauna e flora lá viventes.
Através de estudos geomorfológicos e sedimentológicos foram
reconhecidos cinco domínios, possivelmente representativos de distintas gerações de
dunas eólicas. Por outro lado, as análises palinológicas de turfas e os dados
sedimentológicos de areias sugerem que, no Pleistoceno tardio, houve expansão de
florestas pluviais de afinidades Atlântica e Amazônica através do Vale do Rio Icatu.
Este fato poderia explicar a existência de alguns enclaves de florestas atuais, com
aquelas afinidades, no domínio da caatinga nordestina.
Portanto, acredita-se que a proteção e a preservação deste
ecossistema constituam medidas importantes e necessárias visando a manutenção das
diversidades faunística e florística na área, representativas das mudanças
paleoambientais supracitadas.
INTRODUÇÃO
As dunas inativas, também chamadas fósseis, representam uma herança de climas antigos mais secos que o atual na área, embora estejam estabilizadas pela vegetação (Thomas & Shaw, 1991). Geralmente, exibem formas originais parcialmente reafeiçoadas pelo intemperismo e erosão pluviais. Elas são encontradas em diversas partes do mundo em desertos atuais ou nas suas adjacências (Fig. 1), fornecendo dados relacionados aos paleoclimas e paleoventos (Melton, 1940; Lowe & Walker, 1997).
Figura 1 Localização dos sistemas de dunas inativas ou fósseis. América do Norte: 1, Deserto de Mojave; 2, Arizona; 3, Colorado; 4, Nebrasca. América do Sul: 5, Lhanos, Venezuela e Colômbia; 6, São Francisco Brasil; 7, Pantanal, Brasil; 27, Maranhão, Brasil; 8, Pampas, Argentina. África: 9, Mauritânia; 10 Senegal; 11, Hausaland, Nigéria; 12, Mali; 13, Níger; 14, Bacia do Chad; Kordofan, Sudão; 16, Zaire; 17, Zâmbia-Angola,; 18, Zimbabue; 19 Kalahari. Ásia: 20, Deserto de Thar. Oceania: 21, Noroeste da Austrália; 22, Deserto de Gt. Sandy; 23, Deserto de Simpson-Malle-Strezelecki; 24, Oeste da Austrália; 25, Sul da Austrália; 26 Tasmânia. (Modificado de Thomas & Shaw, 1991) |
O campo de dunas inativas, aqui estudado, acha-se delimitado pelo Rio São Francisco e a Serra do Estreito, entre as cidades de Barra e Pilão Arcado, Estado da Bahia. A natureza muito inóspita e a conseqüente baixa densidade demográfica da população humana são fatores que favorecem a preservação da área. Portanto, constitui um sítio privilegiado para pesquisas paleoambientais e paleoecológicas, visando a melhor compreensão das diversidades faunística e florística lá encontradas.
LOCALIZAÇÃO
Este campo de dunas inativas situa-se
a NW do estado da Bahia, ao sul do Polígono das Secas, entre as latitudes de 10000
e 11000S e longitudes 42030 e 43020W
(Fig. 2). Ocupa parte dos municípios de Barra, Pilão Arcado e Xique-Xique, distando
cerca de 700 km de Salvador.
O acesso à área pode ser feito de Salvador até Juazeiro pela BR-324
e, a seguir, pela BR-235 até Pilão Arcado. A constituição arenosa do terreno, a
ausência de estradas pavimentadas e a precária infra-estrutura restringem o acesso
somente a veículos com tração nas quatro rodas ou de tração animal.
Figura 2 Localização da área de estudo |
HISTÓRICO DOS ESTUDOS
A área foi denominada por Williams
(1925) de um "pequeno Saara ao longo do São Francisco". Segundo este
autor, as areias hoje estabilizadas pela vegetação teriam sido supridas pelo Rio São
Francisco, durante as estiagens, sendo a seguir transportadas pelo vento.
Moraes Rego (1926) incluiu os depósitos aluviais e eólicos, que
margeam o Rio São Francisco, na Formação Vazantes, por ele proposta.
As primeiras considerações paleoclimáticas sobre a área são de
Domingues (1948), que atribuiu à fase de acentuada aridez durante o último período
glacial do hemisfério norte. Segundo este autor, o Rio São Francisco teria assumido
caráter senil no Pleistoceno, quando teria apresentado intensa sedimentação, com curso
divagante devido à capacidade de transporte insuficiente para carrear toda a carga
sedimentar.
Segundo King (1956) as areias eólicas do médio Rio São Francisco
seriam resultantes do ciclo erosivo posterior à Superfície Velhas, que teria originado o
aplainamento Pliocênico-pleistocênico. Este autor admitiu que o canal principal do rio
seguia para NW e desembocava no Rio Tocantins mas, por captura fluvial, teria chegado à
posição atual.
Este campo de dunas inativas foi interpretado como evidência
geomorfológica de clima pretérito mais seco que o atual que, segundo Tricart (1974),
teria existido durante o último máximo glacial (cerca de 18.000 anos AP). Na época
existiria uma drenagem endorreica, que terminava num lago e a atual característica
exorreica teria sido adquirida no fim da última glaciação há cerca de 12.000 anos AP.
Baseado na interpretação de Tricart (op. cit.), Goudie (1983)
incluiu este campo de dunas inativas em um mapa mundial de distribuição de áreas
submetidas a atividades eólicas durante o último máximo glacial. Schobbenhaus et al.
(1984) também aceitaram a interpretação de Tricart (op. cit.) e admitiram ser
este o "único exemplo de formações dunares de ambiente desértico quaternário
no Brasil".
Dunas longitudinais e parabólicas, atingindo até 50 m de altura,
teriam sido depositadas por ventos de SE e E (Costa, 1984). As areias deste campo de dunas
seriam provenientes do Rio São Francisco e da Serra do Estreito que, como barreira
topográfica, limitou a expansão do campo para W. No fim do último estádio glacial, do
hemisfério norte, teria ocorrido uma umidificação do clima, propiciando a modificação
da drenagem endorreica para exorreica. Deste modo, as dunas teriam sido colonizadas pela
vegetação, ficando estabilizadas porém dotadas de equilíbrio muito frágil. Baseada
nesta característica, esta autora sugeriu que a área fosse incorporada ao Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, com preservação assegurada em caráter permanente
e compulsório. Esta medida seria favorecida pela inexpressiva ocupação antrópica,
atribuível às limitações edáficas e hídricas.
Rodrigues (1991) estudou a herpetofauna, reconhecendo gêneros e
espécies novos de lagartos, completamente adaptados à vida subterrânea no interior de
areias, semelhantes aos encontrados em desertos australianos e sul-africanos. Segundo o
autor, esses animais teriam origem em um ancestral comum que, tendo as suas áreas de
dispersão isoladas por uma barreira geográfica representada pelo Rio São Francisco,
deram origem a três novas espécies.
Diferentemente da idéia de Costa (1984), Barreto & Suguio (1993) e
Barreto (1996) obtiveram dados sedimentológicos, indicando que o Rio São Francisco teria
sido praticamente a única fonte de areias para o campo de dunas. Estes autores compararam
a carga sedimentar atual transportada pelo Rio São Francisco com o volume estimado de
areia eólica existente entre Barra e Pilão Arcado e concluíram que seriam necessários,
no mínimo, 100.000 anos para que toda a areia fosse acumulada na área.
DESCRIÇÃO DO SÍTIO
Clima
Segundo Köppen o clima da área pode ser classificado de Bswh (semi-árido quente com 7 a 8 meses de seca). A precipitação anual de 400-800 mm ocorre principalmente de outubro a março. Segundo Nimer (1977, 1989), a temperatura média do mês mais frio é superior a 180C e as médias anuais não ultrapassam 270C. As flutuações sazonais dos ventos estão ligadas à Massas Equatorial Atlântica e Tropical Atlântica no inverno e à Massa Equatorial Continental no verão. As velocidades de vento, medidas nas estações meteorológicas de Remanso e Barra, entre 1928-1942 e 1972-1976, indicaram médias relativamente baixas, entre 1,8 a 3,1 m/s (Pessoa, 1979 e Silva, 1974).
Vegetação
Os solos arenosos pouco desenvolvidos
das dunas e o clima semi-árido da área dão origem à vegetação predominante do tipo
caatinga (Jacomine et al., 1976).
A caatinga pode ser subdividida em hipoxerófila (arbustiva) e
hipoxerófila (arbórea). A primeira desenvolve-se preferencialmente, nas proximidades do
Rio São Francisco, com densidade variável e aspecto rasteiro e aberto. São comuns a
favela (Cnidoscolus phyllacanthus), o pinhão bravo (Euphorbia), o
araçá-de-boi (Myrtaceae), a macambira (Bromelia sp.) e touceiras do cacto quipá
(Opuntia inamoema). A caatinga hiperxerófila estende-se sobre os depósitos
eólicos e assemelha-se a uma vegetação de transição entre a caatinga e a floresta
caducifólia. São típicas a bombacácea (Pseudobombax), a celastrácea (Maytenus),
algumas cactáceas arborescentes (Pilocereus), o xique-xique (Pilocereus
sp.) e o cacto conhecido como coroa-de-frade.
Margeando o Rio São Francisco ocorre a mata ciliar, com espécies de
carnaúba (Copernicia cerifera), umari (Palmae), quixabeira (Bromelia sartorum).
Nas margens dos afluentes do Rio São Francisco que atravessam as dunas e nas baixadas
interdunares são encontradas as veredas desenvolvidas sobre solos hidromórficos, com
buriti (Mauritia vinifera), pindaíba e taoba (Typha sp.).
Geomorfologia e geologia
A área situa-se, em termos
geomorfológicos, na depressão periférica do médio Rio São Francisco, com altitudes
variáveis entre 400 e 800 m (IBGE, 1977).
As feições relacionadas à sedimentação eólica foram analisadas
quanto às características sedimentológicas e morfológicas, modificações
pós-deposicionais e padrões pretéritos de paeloventos (Barreto, 1996). Este estudo
permitiu a caracterização de cinco domínios geomorfológicos (Tabela I e figuras 3, 4 e
5).
Domínios Geomorfológicos |
Altitudes médias (m) |
Principal forma de relevo |
Densidade e preservação das dunas |
Processos/agentes |
Principais tipos de depósitos |
1 - fluvial |
400-440 480 e 520 |
Plano |
- |
Fluvial |
Fluvial |
2 - Lençóis de areia |
400-440 |
Plano |
- |
Eólico com retrabalhamento fluvial e pluvial importante |
mantiformes com canais fluviais difusos |
3 - Dunas com morfologia nítida |
400-480 |
Fortemente ondulado |
Alta densidade e boa preservação |
Eólico com retrabalhamento fluvial e pluvial |
Variedade de dunas parabólicas nítidas |
4 - dunas com morfologia tênue e nítida |
440-600 |
Forte a moderado ondulado |
Densidade e preservação variável |
Eólico com retrabalhamento fluvial e pluvial |
Dunas com formas tênues, nítidas e indefinidas |
5 - Dunas dissipadas |
600-680 |
Tabuleiros e suave ondulado |
Baixa |
Eólico com intenso retrabalhamento fluvial e pluvial |
Tabuleiro |
Tabela - I Principais características dos domínios geológicos (Barreto, 1996)
|
Figura 3 Mapa simplificado de Domínios Geomorfológicos (Barreto, 1996) |
Figura 4 Domínio geomorfológico 3. Visão geral das dunas junto ao Rio São Francisco, apresentando-se com relevo fortemente ondulado, leques de areia de erosão pluvial e vegetação de caatinga arbustiva |
Figura 5 Domínio geomorfológico 4. Aspecto geral do relevo moderadamente ondulado e da vegetação de caatinga arbórea densa. Nota-se também a coloração branca das areias junto ao brejo de São Gonçalo (Rio Icatu) |
Cada domínio geomorfológico
compreende área com características morfológicas semelhantes, resultantes da época de
sedimentação e das modificações pós-deposicionais que, a rigor, pode abranger mais de
uma fase de geração de dunas. Entretanto, essas premissas orientaram as coletas de
amostras de areias para estudos sedimentológicos e datações por termoluminescência
(TL).
As alturas das dunas são variáveis entre 5-10 m até 50-60 m, com a
média entre 15 e 25 m. As dimensões horizontais das dunas situam-se mais comumente entre
1-3 km, mas algumas dunas parabólicas podem ter mais de 10 km. Aplicando-se a
classificação de Pye (1993) foi constatada a ocorrência de grande variedade dunas
parabólicas compostas e simples. As formas mais comuns são: aninhadas (nested),
escalonadas (echelon ou rake-like), digitadas (digitate) e
superimpostas (superimposed) (Fig. 6). A diversidade de formas parabólicas pode
ser atribuída à variabilidade de rumos de paleoventos em escala regional. Os paleoventos
apresentaram duas modas marcantes (NW e W), com dispersão na faixa de 530(Barreto,
1996).
Figura 6 Domínio Geomorfológico 3, com predominância de formas parabólicas compostas aninhadas e escalonadas (em detalhe). No canto inferior direito, observa-se trecho do Rio São Francisco junto a Xique-Xique e, à esquerda, seu tributário Rio Icatu. |
O gigantismo das dunas poderia ser
atribuído ao efeito combinado de alta energia (velocidade) dos ventos, aliada ao
abundante suprimento de areia e à resistência local à migração oferecida pelos
obstáculos como vegetações e afloramentos rochosos.
No atual estado de conhecimentos, existem muitas dúvidas quanto às
relações entre os padrões de paleoventos e as diferentes gerações de dunas porém, do
Pleistoceno-tardio até hoje podem ser reconhecidos, pelo menos, três episódios
seguintes:
a) Entre 28.000 e 15.000 anos AP - Neste intervalo de tempo foram geradas as principais dunas parabólicas compostas e aninhadas, com tendência a formas de "V" fechadas, a formas parabólicas simples e alongadas, com ventos de SE para NW, refletindo regimes unimodais com pequena dispersão.
b) Entre 9.000 e 4.000 anos AP - Neste lapso de tempo foram originadas dunas parabólicas, compostas e aninhadas, além de escalonadas superimpostas e digitadas, com formas predominantemente fechadas de "U", em resposta a ventos de E a SE para W a NW. Nesta época, embora ainda fossem unimodais, os ventos apresentaram maior dispersão, favorecendo a ocorrência de variedade de formas parabólicas.
c) Entre 4.000 e 900 anos AP - Uma nova geração de dunas superimpostas às mais antigas, constituída por dunas parabólicas aninhadas e alongadas-assimétricas de menores tamanhos, refletindo possivelmente ventos de SE para NW com menor dispersão, foi originada.
As três gerações supracitadas
encontram-se superimpostas na porção centro-norte do domínio geomorfológico 4. As duas
últimas gerações são encontradas principalmente no domínio geomorfológico 3, ao
longo do Rio São Francisco, sugerindo que seja a fonte principal e quase única das
areias eólicas. Aliás, este fato foi também mostrado muito claramente pelas
características sedimentológicas.
Os estudos granulométricos, morfoscópicos e mineralógicos indicaram
altas maturidades textural e composicional das areias, sugestivas de areias policíclicas.
Sete perfis de sondagem elétrica vertical, combinados com as
características topográficas da área, indicaram que o embasamento das dunas pode
situar-se até cerca de 140 m abaixo do nível de base atual, representado pelo Rio São
Francisco, com 50 a 150 m de espessura de areia eólica. As dunas constituem um aqüifero
importante, mas sem utilização devida à baixa densidade demográfica , representando
fonte potencial de suprimento para demandas domésticas e irrigações.
As datações por termoluminescência (TL) de 42 amostras de areias de
dunas indicaram fases de atividades eólicas importantes, intercaladas por épocas de
estabilização, pelo menos desde 28.000 a 900 anos AP (Fig. 7). A falta de idades entre
10.500 e 9.000 anos sugere que, no início do Holoceno, a atividade eólica tenha sido
mais limitada. Por outro lado, a grande freqüência de idade entre 4.500 e 1.700 anos AP,
sugere aumento da atividade eólica. As idades obtidas por termoluminescência, quando
comparáveis com idades radiocarbono em amostras contíguas, mostraram boa concordância.
Figura 7 - Representação gráfica do número de amostras datadas em função da idade TL. |
A grande maioria das idades obtidas por termoluminescência em areias eólicas está, aparentemente, de acordo com a aridez crescente, sugerida pelo aumento de vegetação de caatinga e cerrado nos últimos 4.000 anos. Este fato parece ser apoiado pela ocorrência de 12 sítios amostrados, com fragmentos de carvão disseminados nas dunas, datados por radiocarbono, em área de cerca de 1.000 km2 (Barreto et al., 1996). O aumento de aridez no Holoceno tardio poderia ser correlacionado a fatores semelhantes, atribuídos a fenômenos do tipo El-Niño de longa duração (dezenas a centenas de anos), sugeridos em outras áreas (Meggers, 1994; Turcq et al., 1998).
Palinologia e paleoclimas
O estudo palinológico de uma turfeira
do Rio Icatu, principal afluente do Rio São Francisco na área de estudo, na localidade
de Saquinho (10024S; 43013W), acusou idade basal de
10.900 anos AP (De Oliveira et al., 1997). Este estudo, que representa o primeiro
trabalho do gênero realizado em zona semi-árida de caatinga dos Brasil, permitiu o
reconhecimento de cinco fases distintas de vegetação e clima, ocorridas nos últimos
11.000 anos.
No fim do Pleistoceno e início do Holoceno, as condições de clima
mais frio e úmido que o atual permitiram a expansão de floresta pluvial de galeria (mata
ciliar) nas planícies fluviais. Embora menos conspícua na paisagem entre 11.000 e 8.900
anos AP, a vegetação de caatinga sempre esteve presente, cupja participação aumentou
após 4.240 anos AP.
Os estudos palinológicos, bem como as datações por
termoluminescência, não corroboram a hipótese simplista de Tricart (1974), de que este
gigante campo de dunas tenha sido originado durante o último máximo glacial, entre
18.000 e 14.000 anos AP. O retrabalhamento de dunas nos últimos 30.000 anos parece ter
sido mais intenso no Holoceno que no Pleistoceno tardio e, além disso, a grande espessura
de areias eólicas sugere que eventos semelhantes remontem ao início do Quaternário ou,
até mesmo, ao Terciário tardio na área em questão.
Finalmente, as análises palinológicas sugerem que, no Pleistoceno
tardio, ocorreu grande expansão de florestas pluviais de afinidades Atlântica e
Amazônica, que invdiram o Vale do Rio Icatu. Este fato poderia explicar a afinidade
botânica dos atuais enclaves, de floresta pluvial no domínio climático da caatinga
nordestina, às florestas supra-citadas (De Oliveira et al., 1999).
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
A área do campo de dunas inativas do
médio Rio São Francisco (Estado da Bahia), representa um sítio muito importante como
testemunho de evoluções geomorfológicas e geológicas locais, em grande parte
atribuíveis às alternâncias paleoclimáticas do Nordeste Brasileiro durante o
Quaternário. Por outro lado, a biodiversidade da fauna e flora locais reflete também o
dinâmico cenário físico acima relatado.
É enorme a suscetibilidade à erosão dos sedimentos essencialmente
arenosos, de modo que a ocupação humana da área conduziria à completa desfiguração
geomorfológica das dunas, causando reflexos irreversíveis na hidrologia e na
biodiversidades faunística e florística. Não há qualquer dúvida que o adensamento da
ocupação humana local exacerbaria os processos geológicos. Os solos pobres e
aproveitáveis pela rarefeita população local para culturas de subsistência e, além
disso, as dificuldades de acesso são fatores naturais que favorecem a preservação.
Deste modo é imprescindível que a vegetação, que protege o relevo
contra a erosão e reativação da atividade eólica hoje existente, seja protegida. Além
disso, a vegetação nativa controla o regime hidrológico e fornece alimentação e forma
os nichos de refúgio e de vida para os animais endêmicos ainda pouco estudados.
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