Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 043 Carste e cavernas do Data: 18/01/2000 Ivo Karmann 1 Instituto de Geociências - Universidade de São Paulo Rua do lago 562, Cidade Universitária - 05508- 090 São Paulo SP e-mail: ikarmann@usp.br 2-Instituto Geológico Secretaria Estadual do Meio Ambiente São Paulo (SMA-SP) Av. Miguel Stefano 3900 04301-903 São Paulo SP e-mail: ferrari@igeologico.sp.gov.br
© Karmann,I.; Ferrari,J.A. 2000. Carste e cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), sul do Estado de São Paulo. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet
18/01/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio043/sitio043.htm
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Resumo
O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) representa uma unidade de conservação com 35.102,8 ha, localizada na margem esquerda do alto curso do Rio Ribeira, sul do estado de São Paulo. Os terrenos cársticos do PETAR estão inseridos na faixa de transição entre o Planalto Atlântico e a Baixada Costeira, destacando-se pelos altos gradientes hidráulicos, recarga alogênica significativa e entalhamentos subterrâneos, com canyons vadosos de até 60 m, onde é comum a incidência de cavernas verticais (abismos) e gigantescos salões de abatimento. Na superfície destaca-se o carste poligonal com amplitudes altimétricas de até 300m. Este contexto imprime ao carste do Vale do Ribeira, um padrão contrastante com as demais áreas cársticas do Brasil. Entre cerca de 200 cavernas conhecidas na região do PETAR, ressalta-se a caverna Santana, com 6,5 km de condutos mapeados. As rochas carbonáticas da área pertencem ao Subgrupo Lajeado, do Proterozóco Médio. A importância ambiental desta área é suportada pela associação entre mata tropical, em grande parte preservada, e relevo de exceção, com sistemas de cavernas que abrigam paisagens subterrâneas únicas (grande variedade morfológica de espeleotemas) e sítios paleontológicos do Quaternário.
Abstract
The Upper Ribeira Turistic State Park (PETAR- Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira) is a conservation unit with an area of 35,102.8 ha on the left margin of the upper reaches of the Ribeira river in southern São Paulo State. The karst here lies in the transition zone between the Atlantic Plateau and the Coastal Lowlands, and stands out for its steep hydraulic gradients, its important alogenic recharge and incised underground drainage with vadose canyons up to 60 m deep, where vertical caves or abysses and huge collapse halls are common. Polygonal karst with deep blind valleys and karst canyons occur at the surface, and this pattern distinguishes the Ribeira Valley karst from other Brazilian karst regions. Amongst the more than two hundred known caves, the Santana cave with 6.3 km of mapped passages is the most important. The carbonate rocks in the area belong to the Middle Proterozoic Lajeado Subgroup. The environmental importance of the area is due to the association between usually well-preserved tropical forest, exceptionally rugged relief, and cave systems whose unique underground scenery combines a wide variety of speleothem forms and Quaternary palaeontological sites.
Introdução
No cenário geral dos 5 a 7% do território brasileiro ocupados por terrenos cársticos (Karmann 1994), as faixas carbonáticas dos Grupos Açungui e Itaiacoca, no sudeste e sul do Estado de São Paulo e nordeste do Paraná, ocupam uma posição de destaque por sustentarem feições cársticas únicas e depósitos sedimentares associados. No contexto dos metassedimentos do Grupo Açungui, o PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira) representa uma unidade de conservação que abriga uma significativa amostra da variedade morfológica do carste da região serrana do vale do rio Ribeira, em ambiente subtropical úmido, com serras e vales recobertos por densa floresta, popularmente conhecida como Mata Atlântica (Karmann op. Cit e Ferrari et. al. 1999).
O presente sítio geológico é marcado por um exuberante patrimônio geomorfológico e espeleológico, com feições típicas, como carste poligonal, cones e canyons cársticos, vales fluviais profundos, escarpamentos rochosos com pórticos de cavernas, sistemas de drenagem subterrânea com grande variedade espeleomorfológica, e cavernas com sítios paleontológicos do Quaternário.
O Petar representa o extremo noroeste de uma sequência de unidades de conservação, que se inicia na zona costeira, com o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, passando pela Serra do André Lopes, com o Parque Estadual de Jacupiranga e, finalmente o Petar e Parque de Intervales, na zona de transição entre Planalto e Baixada do Ribeira.
Localização e situação fisiográfica
Acesso
O Petar localiza-se no sul do Estado de São Paulo, abrangendo parte dos municípios de Iporanga e Apiaí (fig 1). Partindo de São Paulo, seus acessos principais são através das rodovias SP 280 (passando por Apiaí) ou BR 116 (Régis Bittencourt), por Jacupiranga e Iporanga.
Situação geomorfológica
O Petar encontra-se sobre o flanco sudeste da Serra de Paranapiacaba, com relevo montanhoso e amplitudes topográficas de até 700m. Esta área constitui a Serrania do Ribeira (IPT 1981), representando a zona de transição entre o Planalto Atlântico, a noroeste do parque, com cotas entre 800 e 1200m, e a Baixada Costeira, a leste-sudeste com altitudes máximas em torno de 600m (fig 2).
Localizado na margem esquerda do médio a alto curso do rio Ribeira, a área do parque é drenada pelas bacias dos rios Betari, Iporanga e Pilões (fig 1), os quais tem suas nascentes na borda do Planalto Atlantico (localmente denominado de Planalto de Guapiara), nas cotas entre 900 e 1100m, atingindo o Ribeira entre 80 e 70m. Pelo fato destas bacias drenarem a Serrania do Ribeira, os rios apresentam vales encaixados e perfis longitudinais de alto a médio gradiente, localmente encachoeirados. O rio Betari é um belo exemplo do comportamento hidráulico das drenagens principais da área: alto gradiente e capacidade erosiva com vales fechados nas rochas não carbonáticas e baixos gradientes com vales alargados e planícies de agradação, quando cruza as superfícies carbonáticas, como por exemplo, o Planalto do Lajeado.
Figura 1 Localização do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR).
Figura 2 Compartimentação topográfica do setor norte do Petar. Modificado de Ferrari et. al. 1999.
Clima e vegetação
A área está inserida numa região climática de transição entre o clima quente das latitudes baixas e o clima temperado mesotérmico das latitudes médias, típico da região sul. NIMER (1977) classifica o clima da área como subquente e superúmido, sem estação seca. A média anual de precipitação para o período de 1970-1996 é de 1963,3 mm, sendo que a estação chuvosa (outubro a março) concentra 1281,5 mm e a estação mais seca (abril a setembro), 681,8 mm. As médias térmicas anuais normalmente encontram-se entre 20º a 22º C. As amplitudes térmicas anuais são relativamente baixas, em grande parte devido à presença da vizinhança oceânica.
Na região, este clima permite o desenvolvimento da Floresta Perenifólia Higrófila Costeira (ALONSO, 1977), que apresenta uma fisionomia alta e densa, conseqüência da variedade de espécies pertencentes a várias formas biológicas e estratos. Seus elementos mais altos podem alcançar de 25 a 30 metros. O grande número de lianas, epífitas, fetos arborescentes e palmeiras dá a esta floresta um caráter tipicamente tropical.
Situação geológica
O contexto geológico regional é o da Faixa Dobrada Apiaí, composta pela seqüência metassedimentar supra-crustal vulcano-sedimentar, genericamente denominanda de Grupo Açungui, o qual é compartimentado em blocos tectônicos seguindo um sistema de zonas de cisalhamento transcorrentes com direções NE-SW (Campanha 1991 e IG 1999). O Petar localiza-se no bloco tectônico do Lajeado, limitado a norte pelo lineamento Quarenta Oitavas e a sul pela falha da Figueira. Este bloco é ocupado pela seqüencia metassedimentar de baixo grau metamórfico do Subgrupo Lajeado, composta por unidades pelíticas, psamíticas e carbonáticas, incluindo um corpo de gabro no topo. As rochas carbonáticas pertencem às Formações Bairro da Serra (com metacalcarenitos e metacalcilutitos impuros calcíticos e dolomíticos), Mina de Furnas (com metacalcarenitos e calcilutitos laminados) e Passa Vinte (metacalcarenitos dolomíticos). A primeira tem maior expressão em área, tanto no Petar, como no Bloco Lajeado (fig 3).
Figura 3 Mapa geológico do Petar adaptado de Campanha 1991 e IG 1999.
Histórico e medidas de proteção
Evidências arqueológicas identificadas por De Blasis e Robrahn (1998) na bacia do rio Betari, mostram que desde tempos pré-coloniais este vale representa uma rota de comunicação entre a baixada do Ribeira e o Planalto Atlântico. Em tempos históricos, esta rota também foi utilizada pelos primeiros exploradores do vale do Ribeira em busca de recursos minerais no planalto.
O carste do Alto Ribeira começou a ser descoberto pela ciência através de Richard Krone, naturalista que no princípio deste século investigou várias cavernas no Alto Ribeira em busca de material paleontológico, arqueológico e informações etnográficas. Seus relatos foram publicados em 1914 pela Comissão Geográfica e Geológica através do volume "Exploração do Rio Ribeira de Iguape" e posteriormente em Krone (1950), onde descreveu a descoberta de 41 cavernas e o achado de ossadas da megafauna pleistocênica, ressaltando a vocação turística e a beleza natural da região. Da expedição de 1908 resultou uma primeira iniciativa de preservar algumas cavernas na atual região do Núcleo Caboclos, com a desapropriação, em 1910, das áreas que envolvem as cavernas Pescaria, Monjolinho, Arataca e Chapéu.
A exploração sistemática e mapeamento das cavernas foi iniciada por grupos espeleológicos ligados à Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) e técnicos do Instituto Geográfico e Geológico (atual Instituto Geológico da SMA), onde ressalta-se a publicação de Guimarães e LeBret (1966), intitulada "Grutas Calcárias Estudos Espeleológicos no Vale do Alto Ribeira".
A criação de uma unidade de conservação para proteger as cavernas e a mata, remonta a 1957, quando o Eng. de Minas José Epitácio Passos Guimarães, do Instituto Geográfico e Geológico, encaminhou uma proposta de parque estadual na região, a qual foi concretizada em 1958, através do Decreto Estadual no. 32.283, criando a entidade jurídica do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), com 35.712 ha. Em 1963 o Decreto 41.626 coloca o PETAR sob responsabilidade do Serviço Florestal do Estado (atual Instituto Florestal do Estado de São Paulo). Em 1969 o PETAR perde 609,17 hectares através do Decreto 14.321, ficando com 35.102,83 ha, em função de interesses minerários na região.
Em 1983 foi encaminhada ao CONDEPHAAT uma proposta de tombamento do PETAR e de áreas adjacentes com importância científica e cênica, com o objetivo principal de ampliar a proteção do patrimônio espeleológico e incluir as cabeceiras dos rios de importantes sistemas de cavernas (Sanchez 1984). Esta medida foi efetivada com o tombamento de toda Serra do Mar (incluindo a Serra de Paranapiacaba) e declaração desta como Área de Proteção Ambiental (APA da Serra do Mar).
A implantação do parque somente ocorreu entre os anos de 1987 e 88, quando através do Instituto Florestal de São Paulo seus limites foram demarcados em campo, juntamente com o início da fiscalização pela Polícia Florestal do Estado, visando diminuir desmatamentos causados pela extração ilegal de madeira e palmito.
A demarcação do PETAR significou um grande avanço para a preservação do patrimônio natural. No entanto, as bacias de captação e parte do sistema subterrâneo das cavernas Pérolas - Santana e Areias encontram-se fora dos limites do parque. Estas áreas estão inseridas na zona de tombamento da Serra do Mar, fato que não assegura uma proteção tão efetiva. Algumas cavernas estão totalmente fora dos limites do parque e de outras áreas de proteção limítrofes ao PETAR.
Caracterização da paisagem cárstica
Formas de relevo do carste
Conforme o padrão geral da faixa carbonática associada ao Subgrupo Lajeado, a superfície cárstica encontra-se rebaixada em relação às rochas pelíticas, psamíticas e graníticas, com desníveis de até 700m entre os topos de cristas não carbonáticas e fundos de vales nas rochas carbonáticas (fig 2 e 4). Esta característica condiciona sistemas cársticos de recarga mista, com importante injeção alogênica em relação à recarga autogênica.
Com base no agrupamento de feições de relevo, Karmann (1994) definiu os seguintes compartimentos morfológicos nas áreas carbonáticas do Lajeado e Furnas-Santana, setor sudoeste do Petar (bacia do rio Betari).
Zona de contato - é marcada por feições de absorção de água alogênica, formando uma faixa ao longo do contato dos metacalcários. Caracteriza-se por vales cegos, poljes de contato e sumidouros, os quais absorvem o escoamento supeficial das rochas insolúveis que contornam os metacalcários. De modo geral, o contato é marcado por vales assimétricos, onde a vertente sobre os carbonatos frequentemente é escarpada, exibindo paredões rochosos. Pórticos de cavernas associados à paleo-sumidouros, atualmente em níveis superiores e com salões de abatimento, são frequentes (foto 1). Os vales cegos possuem desníveis entre montante e jusante que variam de 260 a 580 m.
FOTO 1- Vista aérea do vale cego associado ao sumidouro da caverna Casa de Pedra, núcleo Caboclos, PETAR. Foto de João Allievi.
Figura 4 Compartimentação topográfica do setor sudeste do Petar.
Zona fluviocárstica corresponde a superfície sobre os metacalcários onde a drenagem superficial é predominante, com feições cársticas localizadas. Este tipo de situação pode ser observado junto ao Bairro da Serra, onde o rio Betari corta a faixa carbonática do Lajeado. Neste caso, o vale fluvial assume talvegue largo, com planície de agradação desenvolvida e canal fluvial com padrão meandrante, onde as feições cársticas estão restritas às vertentes do vale, com ressurgências e entradas de cavernas. As larguras dos vales variam entre 60 a 1100m sobre os metacalcários em contraste aos 20 a 40m sobre os metapelitos.
Zona de carste poligonal esta é a paisagem típica sobre rochas carbonáticas onde o escoamento superficial, de natureza essencialmente autogênica, é totalmente absorvido por sumidouros localizados em fundos de depressões, cujos divisores de águas formam um padrão planimétrico poligonal (fig 5). O termo depressão poligonal segue a definição de Williams (1971) e Day (1976). De modo geral, esta unidade morfológica caracteriza-se por uma superfície intensamente ondulada, com cristas nas cotas de 600 a 700m e fundos de vales fechados entre 420 e 550m, produzindo variações altimétricas em torno de 130m. No setor norte do Petar, foi identificada uma depressão poligonal com amplitude de até 630m, representando um dos entalhamentos mais profundos da faixa carbonática do Subgrupo Lajeado (Ferrari et. al. 1999). Uma das áreas mais represenativas de carste poligonal ocorre no corpo carbonático do Lajeado (sudoeste do Petar), onde a análise morfométrica permitiu identificar depressões simples e compostas, na escala de 1:25.000 (fig 4). As depressões simples são aquelas com área planimétrica entre 0,003 e 0,05 km2 e somente um sumidouro. A drenagem interna é formada por ravinas e canais incipientes, de até segunda ordem. As depressões compostas caracterizam-se pela área maior (aproximadamente entre 0,05 e 0,8 km2) e contorno mais irregular, quando comparadas com as depressões simples. A rede de drenagem interna é mais complexa, frequentemente de terceira ordem, com múltiplos sumidouros, que interrompem os canais de drenagem, mas com divisores não individualizados na escala analisada. Sua profundidade é muito variável, oscilando entre 10 e 80m, com um valor excepcional de 130m .
Tanto as depressões simples com as compostas são demarcadas por cones cársticos, caracterizados por morros agudos, as vezes com seção triangular e encostas suavemente concavas e fortemente inclinadas. As depressões simples são semelhantes às formas denominadas de cockpits, definidas por Sweeting (1972) no carste da Jamaica, enquanto as compostas enquadram-se na categoria de uvalas, pelo fato de envolverem múltiplos pontos de absorção. Nos pontos mais baixos destas depressões ocorrem tres tipos de formas de absorção do escoamento superficial: dolinas de dissolução, com infiltração difusa ao longo de fraturas alargadas e colmatadas com material residual; dolinas de dissolução com infiltração concentrada ao longo de condutos verticais abertos e dolinas de colapso, onde há conexão direta com cavernas e rios subterrâneos, através do colapso de tetos de cavernas. O segundo e o terceiro tipo representam o acesso à maioria das cavernas verticais (abismos), muito frequentes na região.
As análises morfométricas do carste poligonal realizadas por Karmann op. cit. mostraram valores de densidades de depressões (número de depressões por área de carste poligonal) entre 7,7 e 13 por km2, valores estes, típicos de carste tropical, como aqueles descritos na Jamaica, Porto Rico (Day 1976) e Nova Guiné (Williams 1972), analisados na escala 1:25.000. Os setores com padrão poligonal mais desenvolvido, representam a expressão superficial das principais rotas de fluxo da água subterrânea associadas as cavernas. No carste poligonal, ainda é possível distinguir em foto aérea, os segmentos dos paleovales que antecederam a formação das bacias de drenagem centrípeta.
Figura 5 Exemplo do arranjo de depressões poligonais fechadas sobre a faixa carbonática do sistema de cavernas Pérolas-Santana. Adaptado de Karmann 1994.
As características morfológicas do setor nordeste do Petar (bacias dos rios Iporanga e Pilões), são semelhantes às identificadas no setor sudeste (bacia do rio Betari), conforme demonstrado em Ferrari et. al. (1999), com exceção dos canyons cársticos, não incidentes no setor sudeste. Como exemplo desta feição ressalta-se o vale do rio Temimina, associado à caverna homônima. Trata-se de um córrego com nascentes sobre o planalto de Guapiara (granito Três Córregos), que ao atingir os metacalcários, entalha um vale de vertentes abruptas, que após percorrer aproximadamente 2 km, termina num sumidouro junto à caverna. O acesso à caverna não é possível devido à obstrução por blocos
Sistemas de cavernas
Os atrativos mais procurados pelos visitantes do PETAR são as cavernas. Atualmente são conhecidas cerca de 200 cavernas na região do parque e arredores (fig 6). A caverna com maior desenvolvimento planimétrico é a caverna Santana, com 6300m, enquanto o maior desnível é encontrado ao longo da caverna Água Suja, com 297m.
Figura 6 Localização das principais cavernas em relação ao perímetro do Petar e os núcleos de visistação. No quadro menor, localização das cavernas nos arredores do parque.
A maioria das cavernas representam trechos acessíveis de rotas de circulação da água subterrânea. O padrão geral dos sistemas subterrâneos é do tipo convergente, onde a água coletada por muitos sumidouros é drenada para poucas ressurgências. Para a região sudoeste do PETAR, a razão entre sumidouros alogênicos e ressurgências varia entre 8 e 12, indicando baixo grau de ramificação da circulação cárstica (Karmann 1994). O principal acesso aos trechos subterrâneos é através de sumidouros ou ressurgências. Estes segmentos acessíveis representam partes do sistema de circulação cárstica atualmente na zona insaturada. No caso do sistema Pérolas-Santana, com uma distância de 5970 m entre o sumidouro principal e a ressurgência, cerca de 2500 m são acessíveis. O restante tem sua continuidade quase que exclusivamente na zona saturada, conforme interpretação de Karmann (1994). Estas rotas de fluxo da água subterrânea tem orientação geral NE-SW, com ressurgências localizadas ao longo dos principais rios (Betari, Piloes e Pescaria), que interceptam os sistemas de condutos, representando os níveis de base dos sistemas cársticos.
Os sistemas apresentam gradientes hidráulicos altos e muito variáveis, com um valor médio de 65,5 m/km e coeficiente de variação de 86,4% (12 medidas). Como exemplos, cita-se as cavernas Ouro Grosso, com 221 m/km e Água Suja, com 129 m/km.
O padrão planimétrico das cavernas varia desde retilíneo e anguloso até curvilíneo e sinuoso. Nas cavernas Santana e Ouro Grosso, predominam segmentos retilíneos longos com inflexões angulosas e agudas (fig 7), enquanto na caverna Areias, predomina o padrão curvilíneo e sinuoso. Esta morfologia planimétrica é função direta do mergulho das camadas, principal estrutura condicionante dos condutos, onde, quanto maior o mergulho (de 45 a 80o), mais retilíneo e anguloso é o padrão da caverna (Karmann, op. cit.).
Figura 7 Exemplos de padrões planimétricos de cavernas do Petar. As setas indicam o sentido de fluxo de rios subterrâneos.
Em seção transversal, predomina a morfologia de entalhamento vadoso (canyons) sobre o alargamento freático (fig 8 ). Os canyons subterrâneos possuem seções retilíneas ou escalonadas e perfil longitudinal meandrante, ainda com rios subterrâneos ativos e alturas que variam de 10 a 60m. Os alargamentos freáticos são raramente preservados ou acessíveis. São observados acima dos rios atuais, nos níveis superiores dos afluentes dos ramos principais.
Paisagens subterrâneas de colapso são freqüentes. Os maiores volumes de salões associados a abatimentos são observados nas cavernas Água Suja e Laje Branca, respectivamente com cerca de 2,80´ 105 e 1,7´ 105 m3.
Outra morfologia notável nas cavernas do Alto Ribeira são os condutos verticais, genericamente chamados de abismos. Foram gerados pela captura de rios superficiais pela rocha carbonática com drenagem subterrânea em avançado estágio evolutivo. Ressaltam-se os abismos das cavernas Ouro Grosso, Casa de Pedra e Água Suja. Nesta última, o abismo da Vargem Grande (popularmente conhecido como Dívida Externa) é formado por um conduto vertical que se afunila em direção ao topo, com um desnível de 95m (fig. 9). Representa a conexão entre dois níveis de cavernas: a caverna Vargem Grande, superior e a caverna Água Suja, inferior.
Figura 8 Planta e seções transversais da caverna Santana.
Figura 9 Perfil longitudinal da caverna Água Suja. A direita, seção transversal do abismo Vargem Grande (abismo "Dívida Externa"). Adaptado de Batistucci 1988.
Idade das cavernas
Com base em datações geocronológicas pela série de desequilíbrio do urânio (234U/230Th) de calcita secundária depositada diretamente sobre testemunhos de sedimentos fluviais subterrânneos nas cavernas Santana, Pescaria e Alambari, Karmann (1994) estimou uma taxa média de entalhamento dos rios subterrâneos de 0,0042cm/ano (42mm/ka) atuante nos últimos 240.000 anos. Aplicando esta taxa aos canyons subterrâneos, estimou-se sua idade aproximada de 1,7 milhões de anos e, uma idade mínima, no caso para o sistema de cavernas Pérolas Santana, de cerca de 2 milhões de anos, incluindo cerca de 300.000 anos para a fase de iniciação e desenvolvimento freático deste sistema.
Espeleotemas
As cavernas do PETAR destacam-se pela grande diversidade morfológica dos espeleotemas. Em ordem decrescente de ocorrência foram identificados espeleotemas de calcita, aragonita, hidromagnesita, gipsita, hidroxiapatita e leucofosfita (Barbieri 1993).
Calcita ocorre na forma de estalactites, estalagmites, cortinas, helictites, heligmites, escorrimentos com represas de travertino, discos (shields), pérolas de caverna (oólitos e pisólitos), cones tipo "vulcões", dentes de cão, jangadas (calcita flutuante) e como um dos componentes nos depósitos de "leite de lua". Neste conjunto são notáveis estalagmites de até 12 m de altura e 3m na base, com crescimentos secundários formando "pilhas de pratos"; estalactites tubiformes (tipo "canudos de refresco"), com até 2m de comprimento; helictites e heligmites de até 1m de comprimento e 2cm de espessura; cortinas com cerca 15m, aglomerações de helictites decimétricas formando tufos; cones associados à represas de travertino com cristais euhedrais centimétricos ("dentes de cão"), além de cortinas decamétricas e espeleotemas tipo discos (shields), que atingem 3m de diâmetro. As estalactites tipo canudo, assim como helictites, são constituídos principalmente de calcita hialina a branca, formando monocristais com vários decímetros de comprimento.
FOTO 2
Aragonita ocorre constituindo estalactites, estalagmites, espatites e exuberantes flores (anthodites), tendo como controle de precipitação uma relação molar Mg/Ca a partir de 0,6 nas águas de percolação lenta, provenientes da intercalação de estratos dolomíticos nos calcários calcíticos predominantes. A associação de calcita e aragonita ocorre freqüentemente, através de crescimentos secundários de pequenas flores de aragonita, a partir de estalactites.
Hidromagnesita, mineral constituinte do "leite de lua", juntamente com calcita, foi identificada nas extremidades de agulhas de aragonita, em antodites, onde forma glóbulos ou tufos milimétricos, parecidos com cotonetes, assim como, cobrindo a superfície de diversos espeleotemas pré-existentes, sendo caracterizada pelo aspecto fosco e pastoso, quando úmida (Barbieri 1993).
O único sulfato identificado nas cavernas do petar é a gipsita. Ocorre formando pequenos tufos com cristais fibrosos ondulados de comprimento desde milimétrico até 1cm, de coloração branca, ou na forma de crostas com espessura milimétrica sobre superfícies da rocha calcária alterada, em trechos secos de galerias superiores.
Como curiosidade mineralógica, cita-se a ocorrência de fosfatos, identificada por Barbieri (1993). Trata-se de uma associação entre leucofosfita e hidroxilapatita, na forma de crostas com tons acastanhados a levemente esverdeados, com espessura milimétrica a cerca de 3cm, friáveis, capeando superfícies rochosas e espeleotemas.
SítIos paleontológicos
Na região da bacia do rio Betari, os abismos do Fóssil, Juvenal e Ponta de Flecha são importantes sítios paleontológicos da transição Pleistoceno Holoceno. No primeiro e terceiro foram escavados depósitos sedimentares clásticos com aplicação de técnicas arqueológicas. Estes sedimentos caracterizam-se pelo alto grau de imaturididade e baixa seleção, apresentando granulometria desde calhaus à fração argila, com alto teor em matéria orgânica, coloração cinza escuro e cimentação carbonática em alguns níveis. De modo geral exibem retrabalhamento por recorrentes enxurradas, destruindo empilhamentos estratigráficos. Formam acumulações em patamares ao longo de condutos verticais escalonados ou em trechos de condutos horizontais. Suas espessuras são muito variáveis, atingindo raramente alguns metros. O máximo escavado foi de 1,3 m.
Entre as formas extintas identificadas nestes depósitos destacam-se os dentes, fragmentos de crânio e diversos ossos pertencentes a Toxodon platensis. A maior quantidade de ossos fósseis encontrados nos abismos são atribuídos a ordem Edentata (preguiças gigantes), como Eremotherium lundi, Megatherium sp., Nothrotherium sp. e Scelidotherium cuvieri . No abismo do Fóssil foi identificada a presença do tatu gigante Gliptodon clavipes (Barros Barreto et. at. 1982). Fato interessante é a provável convivência entre as espécies da Megafauna, como Toxodontes e Megatérios, com o homem pré-colonial do Alto Ribeira, conforme evidências obtidas através de ossos e dentes destes animais com incisões de desmembramento e descarnamento descritas no material do Abismo Ponta de Flecha (Barros Barreto, op. cit.).
Organização do parque e visitação
O PETAR é dividido em duas áreas principais de visitação, denominados de Núcleos Santana (setor sul do Parque) e Caboclos (setor norte). A partir destes centros, foram elaborados roteiros de visitação, os quais são acompanhados por guias locais e funcionários do parque.
A importância do Petar nos roteiros ecoturísticos do sudeste do Brasil pode ser expresso pelo número de visitantes por ano recebidos pelo parque no período de 1996 e 1998, que variou entre 24.831 e 28.850 (Allegrini, 1999).
Informações gerais sobre o parque podem ser obtidas no Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, ou na página eletrônica www.iflorestsp.br.
Referências
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Allegrini, M. 1999- Documentos básicos para o plano de manejo do PETAR. Instituto Florestal, SEMA-SP.
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Barros Barreto, C.N.G.; De Blasis, P.D.; Dias Neto, C.M.; Karmann, I.; Lino, C.F.; &. Robrahn, E.M -1982 - Abismo Ponta de Flecha: um projeto arqueológico, paleontológico e geológico no médio curso de Ribeira de Iguape, São Paulo. Revista de Pré-História, vol. 3(4): 195-215, USP.
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