Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 029 VILA VELHA Data: 18/11/1999 Mário
Sérgio de Melo 1 1 Departamento de Geociências - msmelo@uepg.br .2 Núcleo de Estudos em Meio Ambiente - nucleam@uepg.br Universidade Estadual de Ponta Grossa. Praça Santos Andrade s/n. CEP 84010-790 - Ponta Grossa-PR © Melo,M.S.; Bosetti,E.P.; Godoy,L.C.; Pilatti,F. 1999. Vila Velha. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 18/11/1999 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio029/sitio029.htm [Atualmente https://sigep.eco.br/sitio029/sitio029.htm ]
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RESUMO
As esculturas naturais em
arenito de Vila Velha constituem um impressionante exemplo de relevo ruiniforme,
derivado da associação de processos erosivos com características
preexistentes da rocha. Embora protegidas por parque estadual, têm recebido
cerca de 200.000 visitantes/ano, o que proporciona alguns riscos à preservação
de tão rico patrimônio natural.
O Arenito Vila
Velha, incluído no Grupo ltararé (Carbonífero Superior a Permiano Inferior da
Bacia do Paraná), possui coloração avermelhada pela presença de cimento
ferruginoso. Apresenta granulação média a fina, intraclastos argilosos
dispersos e estratificação incipiente, plano-paralela e cruzada de baixo ângulo.
As esculturas
naturais apresentam altura variável de até 30 m. São ornamentadas por topos
recortados e com fraturas poligonais superficiais, paredões com saliências e
reentrâncias, pequenos túneis anastomosados e escavações alveolares
erosivas, superfícies côncavas basais e fraturas preenchidas com óxidos de
ferro e manganês. A estas feições associam-se ainda a estratificação
sedimentar, fraturas verticais e horizontais e pseudo-estratificação formada
pela cimentação.
Vila Velha
constitui um patrimônio natural de valor inestimável. As esculturas têm forte
impacto paisagístico, atraindo visitantes do Brasil e de todo o mundo. A enorme
exposição de rocha mostra características faciológicas e feições erosivas
ímpares, favorecendo seu estudo e entendimento. O local é adequado para
atividades de educação ambiental, pois além do relevo ruiniforme apresenta
ainda ecossistemas naturais preservados, com espécies endêmicas, ameaçadas de
extinção. Entretanto, a integridade deste patrimônio está ameaçada por uma
exploração voltada exclusivamente para o aspecto turístico, que tem falhado
em atribuir ao parque seu papel como unidade de conservação.
ABSTRACT
The natural
sandstone sculptures of Vila Velha are an impressing example of ruiniform
relief, combining the association of erosive processes with pre-existing
attributes of the rocks. They are protected by a State Park, which has received
about 200,000 visitors/year, what causes some risks for the preservation of such
a rich natural environment.
The Vila
Velha Sandstone is part of the base of the ltararé Group (Upper Carboniferous
to Lower Permian of the Paraná Basin, Southern Brazil). It has a reddish
coloration due to the presence of ferriferous cement. Grain size is medium to
fine sand, with dispersed argillaceous intraclasts in an incipient planar to
cross-bedded stratification.
The natural
sculptures have an elevation of 10 to 30 m above surrounding terrain. Their tops
show cracks and fracture polygons, while the walls show saliences, hollows,
small anastomosing tunnels, alveolar erosive excavations, basal concave surfaces
and fractures filled with iron and manganese oxides. Other structures are the
sedimentary stratification, vertical and horizontal fractures and pseudo
stratification formed by the cementing.
Vila Velha
is a natural site with great environmental value. The large outcrop is a
singular exposure of the sedimentary attributes and erosive features of the Vila
Velha Sandstone. The area is appropriate for environmental study activities, not
only because of the ruiniform relief but also the presence of natural preserved
ecosystems, with endemic endangered species. Nevertheless, the integrity of this
environment is threatened by the massive exploration of the touristic aspect,
which has failed to attribute to the park its role of a preservation area.
INTRODUÇÃO
Vila Velha é a
denominação de um notável agrupamento de esculturas naturais de aspecto
ruiniforme, desenvolvido em arenitos do Carbonífero Superior, de grande valor
científico para a geologia e geomorfologia, bem como para estudos ambientais,
visto o alto grau de preservação de ecossistemas da região dos Campos Gerais
verificado em toda a área de abrangência deste conjunto geomórfico.
LOCALIZAÇÃO
Vila Velha
localiza-se no Município de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais, Estado
do Paraná, Brasil (Figura1), sob as seguintes coordenadas geográficas: 25o
14' 09'' de latitude Sul, e 50o 00' 17'' de longitude Oeste.
Figura
1. Localização
do Sítio Vila Velha
Figure 1. Location of Vila Velha Site
HISTÓRICO
Os primeiros
homens brancos a visualizarem os Campos Gerais foram os bandeirantes paulistas
no século XVI, Aleixo Garcia em 1526, Pedro Lobo e Francisco Chaves em 1531.
Também é descrita a passagem, pela região, do Governador nomeado do Paraguai,
o espanhol Dom Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, em 1541.
DESCRIÇÃO DO SÍTIO
Vila Velha é esculpida em rochas carboníferas da Bacia do Paraná, que corresponde a uma vasta depressão intracratônica sulamericana, abrangendo cerca de 1.400.000 km2 de superfície, estendendo-se pelo Brasil (1.100.000 km2), Argentina (100.000 km2), Paraguai (100.000 km2) e Uruguai (100.000 km2) (Zalán et al., 1991; Milani et al. s.d.) (Figura 2).
Preenchimento Sedimentar da Bacia do Paraná
A bacia é preenchida por rochas sedimentares que atingem até 6.300 metros de espessura e por rochas vulcânicas com até 1.700 metros (Zalán et al., 1991). Os sedimentos mais antigos (Grupo Rio Ivaí) são do Eo-Ordoviciano a Eo-Siluriano (Assine et al., 1994; Milani et al. 1994), e os mais jovens (Grupos Bauru e Caiuá) são do Neocretáceo (Fernandes & Coimbra, 1994).
Figura
2. A Bacia
do Paraná e o Sítio Vila Velha. V: Vila Velha; CR: Curitiba; RJ: Rio do
Janeiro; BR: Brasília; BA: Buenos Aires.
Figure
2 . Paraná Basin and the Vila Velha Site. V: Vila Velha; CR: Curitiba;
RJ: Rio do Janeiro; BR: Brasília; BA: Buenos Aires.
Geologia de Vila Velha
A região de Vila Velha situa-se próximo ao flanco leste da Bacia do Paraná, cerca de 10 km a oeste do contato erosivo das unidades sedimentares paleozóicas sobre o embasamento proterozóico (Figura 3).
Figura
3. Mapa
geológico do Estado do Paraná entre Ponta Grossa e Lapa (MINEROPAR, 1989). 1:
embasamento proterozóico; 2: Formação Furnas (D); 3: Formação Ponta Grossa
(D); 4: Grupo Itararé (C-P); 5: Formação Rio Bonito (P); 6: diques de diabásio
(Mesozóico); 7: principais falhas; 8: Vila Velha; 9: áreas urbanas.
Figure
3. Geologic map of Paraná State between Ponta Grossa and Lapa
(MINEROPAR, 1989). 1: Proterozoic basement; 2: Furnas Formation (D); 3: Ponta
Grossa Formation; 4: Itararé Group (C-P); 5: Rio Bonito Formation (P); diabase
dykes (Mesozoic); 7: major faults; 8: Vila Velha; 9: urban areas.
Estratigrafia e Paleoambientes
Os arenitos
avermelhados esculpidos pelos agentes naturais foram denominados por Maack
(1946b) de "Arenito Vila Velha". A interpretação da gênese, posição
estratigráfica e idade destes arenitos, bem como dos depósitos sotopostos do
Grupo Itararé, não tem sido consensual em estudos recentes.
Figura
4.
Estratigrafia local (modificado de Milani et al. s.d.)
Figure 4. Local Stratigraphic
chart (modified from Milani et al. s.d.)
Canuto et al. (1997) também reconheceram relação genética entre o Arenito Lapa, a sul, e o Arenito Vila Velha, a norte, este pelo menos em parte sotoposto ao primeiro. Interpretaram o Arenito Lapa como o preenchimento de um túnel-vale subglacial com até 80m de diâmetro, escavado em rochas sucessivamente mais antigas de sul para norte. Preferiram declarar como incerta a posição do Arenito Lapa dentro do Grupo ltararé. O Arenito Vila Velha, onde descreveram estratificações cruzadas de baixo ângulo e perfurações verticais e horizontais, foi interpretado como resultado de sedimentação marinha rasa, sob influência de marés.
Características Litológicas
Algumas
estruturas sedimentares destacam-se no Arenito Vila Velha. Estratificação
incipiente, freqüente aspecto maciço (Maack, 1946a)
e presença de intraclastos argilosos sugerem ressedimentação por fluxos
gravitacionais. Estratificações cruzadas de baixo ângulo e marcas onduladas
indicam influência hidrodinâmica (França
et al., 1996), talvez num ambiente marinho raso sob influência de marés
(Canuto et al.,1997).
Figura 5.
Escultura com topo alargado mostrando fraturas horizontais atectônicas.
Figure
5. Sandstone sculpture with enlarged top showing horizontal
non-tectonic fractures.
Os arenitos
apresentam granulação variável de areia fina a grossa, predominando areia média.
A seleção é moderada a ruim, e os grãos são subarredondados a arredondados,
ocasionalmente subangulosos. O arcabouço é fechado, e os grãos de quartzo
apresentam contatos côncavo-convexos a suturados e às vezes crescimento secundário
euhedral desenvolvido em porosidade secundária
(Melo & Coimbra,
1996).
Fraturamento
A Bacia do Paraná apresenta três sistemas principais de estruturas tectônicas (Zalán et al., 1991):
a) NE-SW, paralelas às estruturas do embasamento proterozóico;
b) NW-SE, relacionadas com a ruptura do Gondwana e, no caso, o Arco de Ponta Grossa;
c) E-W, paralelas a zonas de fraturas oceânicas.
Estes três
sistemas de estruturas aparecem em Vila Velha, principalmente na forma de longas
fraturas com deslocamento desprezível ou inexistente.
Outros dois
sistemas de fraturas atectônicas ocorrem nos arenitos (Melo
& Coimbra, 1996):
d) subverticais com distribuição concêntrica, paralelamente às bordas do platô arenítico;
e) suborizontais parcialmente controladas pela estratificação e originadas por alívio de carga.
Formas de Relevo
O platô de
Vila Velha apresenta-se como um "morro testemunho em ruínas" (Ab'
Sáber, 1977), sustentado por
arenitos muito desfeitos pela erosão, contrastando com outros platôs areníticos
próximos, menos dissecados. Aparentemente esta diferença reflete sobretudo o
estágio erosivo mais avançado em que se encontra Vila Velha, constituindo uma
paisagem de exceção, marcada pela "bizarria de suas formas topográficas,
os relevos ditos ruineformes" (Ab'
Sáber, op. cit., p.3).
Figura 6.
Feições
pontiagudas semelhantes a lapiés no topo do platô arenítico.
Figure 6. Lapiés-like features in the top of the sandstone plateau.
Processos e Feições Erosivas
O principal
agente erosivo em Vila Velha é a água pluvial, auxiliada por processos intempéricos
promovidos por organismos (plantas, animais, liquens) e pelo sol.
Figura 8.
Cones de
corrosão formados por túneis anastomosados em fraturas horizontais atectônicas
e perfurações devidas à erosão alveolar.
Figure
8. Corrosion cones formed by anastomosed tunnels in horizontal
fractures and alveolus due to superficial erosion.
Observa-se a
presença de processos biogênicos (raízes de árvores e de plantas rupícolas)
como co-responsáveis pelos processos de desagregação e decomposição das
rochas.
Figura 9.
Fraturas
poligonais atribuídas à insolação associadas a fraturas lineares
subverticais.
Figure
9. Polygonal fractures attributed to insolation associated to linear
subvertical fractures.
Ultimamente,
além dos fatores naturais que promovem a erosão dos arenitos, destaca-se
também a erosão das trilhas pelo pisoteio dos visitantes e importante
depredação por inscrições.
Figura 10. A
Taça, escultura em arenito símbolo de Vila Velha (Foto:
Mario Sergio de Melo).
Figure 10. The Wine-glass, sandstone natural sculpture symbol of Vila Velha (Photo:
Mario Sergio de Melo).
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
A área do sítio
de Vila Velha reúne, além da notoriedade geológica/geomorfológica de seus
arenitos, uma importância ecológica significativa para os ecossistemas da
região dos Campos Gerais. Em seus limites estão preservados ou parcialmente
preservados capões de mata de araucária, bem como regiões de campos limpos
e depressões brejosas, ecossistemas muito degradados fora dos limites das
unidades de conservação. Neles estão presentes 27 espécies vegetais endêmicas
da região dos Campos Gerais (Hatschbach & Moreira Filho,1972).
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