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SIGEP

Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 016

Lapa dos Brejões - Vereda Romão Gramacho – Chapada Diamantina – Bahia

Data: 01/07/2000

Mylène Berbert-Born (*)

Ivo Karmann (**)

(*) CPRM-Serviço Geológico do Brasil
SGAN 603 Conj.J Parte A 1o andar
70830-030 Brasília-DF
Telefone (0xx61) 312-5252 - Fax 225-3985
e-mail: berbert@zaz.com.br

(**) Dept. de Geologia Sedimentar e Ambiental
Instituto de Geociências – USP
CP 1134805422 São Paulo SP
Tel. (0xx11) 818 39 43 Fax 011 818 42 07
e-mail: ikarmann@usp.br  

© Berbert-Born,M.; Karmann,I. 2000. Lapa dos Brejões - Vereda Romão Gramacho, Chapada Diamantina, Bahia. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil.
Publicado na Internet em 01/07/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio016/sitio016.htm
[atualmente https://sigep.eco.br/sitio016/sitio016.htm]  

Versão Final Impressa:
© Berbert-Born,M.; Karmann,I. 2002. Lapa dos Brejões - Vereda Romão Gramacho, Chapada Diamantina, BA - Gigantesca caverna e vale cárstico com rico depósito de fósseis do Quaternário. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, v.01: 469-479

[VER CAPÍTULO IMPRESSO]

(A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial)  

RESUMO

A Lapa dos Brejões é uma caverna de grande porte, em extensão e volume, situada na porção norte da Chapada Diamantina, Bahia. Desenvolve-se em calcários neoproterozóicos do Grupo Una (Formação Salitre) ao longo da calha do rio Jacaré, borda nordeste da Bacia Sedimentar de Irecê. A caverna é constituída por dois segmentos, que totalizam 7.750 metros de desenvolvimento (Brejões I e II), separados por uma depressão de abatimento em forma de canyon. Os canyons cársticos abrigam flora e fauna contrastantes à caatinga, compondo uma paisagem especial, pela beleza e significado ecológico. A caverna destaca-se no cenário espeleológico nacional pela grande amplitude de suas galerias, dimensões de seus espeleotemas, volume de suas dolinas de abatimento e pelo vistoso portal de 106 metros de altura, aspectos de inquestionável apelo turístico e que motivaram a criação da APA Gruta de Brejões/Vereda Romão Gramacho. Sua relevância científica fundamenta-se no que seus depósitos químicos e sedimentos fossilíferos podem revelar sobre condições paleoambientais do Quaternário. A cultura popular manifestada nos grandes cultos religiosos sob sua abóbada é expressão de uma eleição "democrática" da sua relevância regional. Tal significado cultural tem seu valor reconhecido, muito embora deva ser minimizada a depredação implícita às grandes aglomerações nesse tipo de ambiente.

INTRODUÇÃO

A caverna dos Brejões é uma feição geomorfológica de destaque na região centro-norte do Estado da Bahia pelas suas volumosas galerias fluviais subterrâneas que abrigam conjuntos de espeleotemas de grandes dimensões. O mérito cênico pode ser compreendido, já mesmo à distância da caverna, pelo impacto visual do seu pórtico de entrada, que supera 100 metros de altura, avistado do vilarejo de Brejões da Gruta (figura 1). No interior da caverna há condutos com vãos de até cerca de 150 metros, abertos ao exterior através de clarabóias (dolinas de abatimento) que atingem 100 m de diâmetro.

No contexto das cavernas do país, sua relevância científica, histórica e cultural é atestada, tanto pelos depósitos paleontológicos já explorados, como pelas condições promissoras a muitas novas descobertas, e, particularmente, pelo potencial de estudos arqueológicos suscitados pelas pinturas rupestres localizadas nas paredes das entradas de cavernas e vales de abatimento.

No âmbito da paisagem de superfície, há um valor especial no contraste existente entre a caatinga, dominante nos topos aplainados das vertentes, e o conjunto de feições ao longo do curso do rio Jacaré, que inclui a caverna como um trecho subterrâneo deste rio, juntamente com os segmentos de galerias desmoronadas, constituindo canyons e dolinas, onde reinam condições atmosféricas mais amenas permissivas à sobrevivência de uma vegetação mais exuberante e verde ao longo de todo o ano, a qual serve de refúgio para a fauna, especialmente as aves.

O valor natural da Lapa dos Brejões é reconhecido e manifestado popularmente pelos cultos religiosos que atraem milhares de pessoas. Sua relevância também é expressa através da criação da Unidade de Conservação-Área de Proteção Ambiental, denominada APA Gruta de Brejões/Vereda do Romão Gramacho.

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Figura 1: Localização da Lapa dos Brejões. A) Rede viária de acesso; B) Situação hidrográfica e traçado da Área de Proteção Ambiental APA Gruta de Brejões/Vereda Romão Gramacho; C) Pórtico de 106 metros de altura visto do vilarejo de Brejões da Gruta.

LOCALIZAÇÃO E FISIOGRAFIA

A Lapa dos Brejões situa-se na porção norte da Chapada Diamantina - Polígono das Secas- região centro-norte do estado da Bahia, a cerca de 500 quilômetros da capital Salvador (figura 1). A caverna desenvolve-se no vale do rio Jacaré, localmente também denominado de Vereda do Romão Gramacho, tributário da margem direita do Rio São Francisco, nas proximidades do ponto que marca a divisa entre os municípios de Morro do Chapéu, João Dourado e América Dourada, na latitude 11o00’42,7"S e longitude 41o25’59,6"W. O Parque Nacional da Chapada Diamantina está localizado cerca de 150 quilômetros ao sul.

Sob clima semi-árido quente, em altitudes variando de 480 a 560 metros, vegetação de caatinga arbórea/arbustiva densa, desenvolve-se na unidade geomorfológica da Baixada do Rio Jacaré, onde estão embutidos vales cársticos com extensas escarpas calcárias. A manutenção de uma vegetação mais exuberante ao longo do rio Jacaré, relativamente aos terrenos circundantes, é devida à sua perenidade, que desta maneira, resguarda grande diversidade florística e faunística. É uma área com fortes limitações ao uso pelo predomínio de solos rasos (cambissolos eutróficos e litólicos) com elevada pedregosidade em declives acentuados (Rocha & Costa, 1995).

A caverna situa-se na porção norte da borda oriental da Bacia Sedimentar de Irecê, a qual é caracterizada pelo predomínio de sequências carbonáticas com intercalações subordinadas de rochas terrígenas, constituindo a Formação Salitre, unidade neoproterozóica do Grupo Una, Supergrupo São Francisco (figura 2). A caverna desenvolve-se em calcissiltitos laminados cinzentos com finas intercalações de laminitos algais pertencentes à Subunidade Nova América Inferior, provavelmente relacionada ao início do primeiro ciclo deposicional, dentre os quatro ciclos que constituem a Formação Salitre, segundo Pedreira (1993).

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Figura 2: Geologia da Bacia Sedimentar de Irecê (Bahia), compilada por Pedreira (1993).

HISTÓRICO

Segundo a população local, a Lapa dos Brejões teria sido descoberta e noticiada em 1877. Sua exuberância morfológica deve ter sido o primeiro foco das atenções, mas logo sobressaiu o grande valor paleontológico dos seus depósitos sedimentares. Os primeiros achados paleontológicos no interior da gruta foram publicados em 1938 pelo padre Camilo Torrendt, mas grande parte do material mencionado por ele foi perdida, segundo Cartelle (1983).

Em 1967 estudantes membros da SEE-Sociedade Excursionista Espeleológica da Escola de Minas de Ouro Preto foram motivados a percorrer os cerca de 1800 quilômetros de distância entre o centro-sul de Minas Gerais e o centro-norte da Bahia, a fim de explorá-la e topografá-la (Le Bret, 1975). Em 1977 foram iniciados estudos sistemáticos pela equipe de paleontologia da Universidade Católica de Minas Gerais, tendo sido coletadas mais de 5 mil peças, pertencentes a preguiças, preguiças-gigantes, mastodontes, tatus, tamanduás, cavalos, roedores, aves, entre outros (Cartelle, 1983).

Em 1995 o Serviço Geológico do Brasil-CPRM descreveu e mapeou a Lapa dos Brejões como parte do Projeto Mapas Municipais-Município de Morro do Chapéu, componente de um programa institucional que visa oferecer orientações básicas aos Planos-Diretores Municipais. O levantamento realizado pelo SGB-CPRM finalizou um mapa da caverna, apresentando um zoneamento interno que aponta as condições atuais de uso e conservação, adequações e restrições à visitação, com base nos parâmetros físicos existentes e numa caracterização preliminar da fauna hipógea (Berbert-Born & Horta, 1995). Tal material vem sendo subsídio para o estabelecimento do Plano de Manejo da APA Gruta de Brejões/Vereda Romão Gramacho.

ASPECTOS SOCIOCULTURAIS E LEGAIS

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Figura 3: Pinturas rupestres ao longo do vale do rio Jacaré . Foto de I. Karmann.

Manifestações religiosas são relativamente comuns em cavernas. Tais manifestações revelam culturas populares, em geral regidas por condições socioeconômicas e naturais que estimulam a religiosidade. Alguns dos exemplos mais conhecidos estão em regiões muito pobres, como o interior da Bahia e Goiás, e chegam a atrair milhares de pessoas. Em torno dos festejos estabelecem-se delicadas relações de fé, subsistência e degradação natural, cuja análise requer tratamento individualizado (Berbert-Born & Horta, 1995).

A Lapa dos Brejões vive anualmente uma festa religiosa que atrai uma multidão. Há danos ambientais de grande evidência, mesmo em se tratando de um ambiente de amplos espaços. Importantes composições de espeleotemas estão irreversivelmente danificadas por quebra e pisoteio, além da grande carga de lixo e resíduos das oferendas que incidem sobre o ambiente cavernícola. Além das procissões, Brejões recebe visitação permanente ao longo de todo o ano, considerada de pequena escala, mas, ainda assim, sem a devida normatização.

Outras marcas visíveis da ação humana no interior de Brejões relacionam-se às próprias pesquisas científicas, particularmente às investigações paleontológicas, que deixaram valas, trincheiras e pilhas de sedimentos revolvidos. Neste contexto das escavações, nota-se uma deficiência na conservação de testemunhos sedimentares, que possam servir de base para estudos sedimentológicos e estratigráficos, visando recuperar informações paleo-ambientais.

A preocupação sobre os danos ao ambiente cavernícola diz respeito à legislação vigente sobre o tema. O Decreto Federal no 99.556 de 01/10/1990 afirma que "toda cavidade natural subterrânea penetrável pelo homem é patrimônio cultural brasileiro e, como tal, será preservada e conservada de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem técnico-científica, bem como atividades de cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, recreativo e educativo" acrescentando que sua utilização e de sua área de influência deva fazer-se somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção do respectivo equilíbrio ecológico, sendo obrigatória a elaboração de estudo de impacto ambiental para as ações que possam ser lesivas direta ou indiretamente a essas cavidades (arts.2o e 3o).

Brejões motivou a criação de uma Área de Proteção Ambiental chamada APA Gruta de Brejões/Vereda Romão Gramacho, que engloba 11.900ha no entorno da caverna (vide figura 1), tendo sido atribuído ao Centro de Recursos Ambientais da Bahia (CRA) o poder de supervisão e fiscalização (Decreto Estadual no 32.487 de 13/11/85).

Em Brejões, além dos vestígios humanos considerados danosos, há também vestígios bem mais antigos da presença do homem, expressos por pinturas rupestres e inscrições históricas junto à entrada da ressurgência do rio e em certos pontos nas escarpas do vale, ainda pouco ou nada estudados (figura 3). Vale salientar que a arte rupestre é considerada mais do que uma manifestação das necessidades relacionadas à sobrevivência material, mas uma manifestação artística que retrata preocupações culturais propriamente ditas, segundo Barberi (1995). É pois, o registro da própria evolução da consciência e intelectualidade humana.

 

Figura 4: Pórtico da Lapa dos Brejões. Pessoa como escala no canto inferior direito da entrada. Foto de E.L. Rubbioli.

DESCRIÇÃO

Generalidades

A Lapa dos Brejões é uma das cavernas mais notáveis do Brasil pelas grandes amplitudes de suas galerias, salões, clarabóias, espeleotemas e do seu principal pórtico de entrada, com 106 metros de altura (figura 4). Um trecho desmoronado (canyon cárstico) divide a caverna em dois segmentos, chamados Brejões I e Brejões II, que juntos totalizam 7.750 metros de desenvolvimento (figura 5). Ao longo do canyon há abrigos sob rocha e alguns sítios de pinturas rupestres.

Brejões I é a parte principal, em cujos 6.570 metros de amplas galerias estão concentrados os espeleotemas e as feições morfológicas mais impressionantes, entre elas, duas dolinas de abatimento conformando gigantescas clarabóias. São feições cilíndricas com a base maior que o topo que atingem 100 metros de diâmetro, ocupadas por grandes pilhas de blocos de rocha e imensos pilares escorados às paredes (figura 6).

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Figura 5: Mapa planimétrico, seções transversais e perfil esquemático da Lapa dos Brejões I e II; a) Estalagmites e represas de travertino de grande porte, com pessoa como escala; b) Conjunto de estalactites, estalagmites, colunas e escorrimentos calcíticos, com pessoa como escala; c) Detalhe de pérolas de calcita aninhadas em represa de travertino; d) Blocos tabulares desmoronados no conduto do rio, com realce da geometria losangular. Fotos de M.Berbert-Born.

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Figura 6: Dolina de abatimento conformando a chamada "2a Clarabóia". Notar estalactite junto a margem superior da foto e pessoa como escala no canto inferior esquerdo. Foto de M.Berbert-Born.

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Figura 7: Represa de travertino," bolo de noiva" ou "altar", um dos principais espeleotemas da caverna e uma ocorrência de morfologia notável desse tipo de espeleotema, no contexto nacional. Encontra-se em processo de depredação pelo acúmulo de cera de velas, quebra e pichações. Foto de J. Allievi.

Brejões I é o trecho à montante do rio e do canyon de abatimento. O rio Jacaré desaparece em um sumidouro cerca de 300 metros antes da entrada principal, reaparecendo no interior da gruta, a cerca de 750 metros da entrada. A partir daí ele percorre no sentido sul-norte toda a extensão da galeria mais ocidental da caverna, até um sifonamento nas proximidades da "2a clarabóia", mantendo um fluxo perene tranqüilo com vários remansos.

O curso d’água volta a aflorar no interior de Brejões II, ressurgindo no ambiente externo cerca de 300 metros adiante, junto à entrada principal da lapa dos Brejões II. A partir desta ressurgência, o vale do rio prossegue escarpado por quilômetros, indicando sua origem por abatimento de condutos. Pelo menos duas outras cavidades estão localizadas à jusante, até o momento, não descritas.

No interior da caverna ocorrem também alguns corpos d’água, aparentemente estagnados, situados nos locais mais baixos das galerias, apontando a direção da rota não acessível do rio, correspondendo à zona freática da cavidade.

Morfologia

Brejões I é conformada por duas grandes galerias principais sub-paralelas que chegam a ter 80 metros de altura e até 150 metros de largura. Estes grandes condutos são dominantemente retilíneos com trechos sinuosos, segundo uma direção principal em torno de N30E.

Conexões amplas entre tais galerias atribuem à cavidade uma geometria planimétrica anastomosada. Estes locais de interseção conformam salões largos com piso em desnível íngreme, visto que cada um dos condutos desenvolve-se em nível topográfico distinto. O teto, nas interseções, tem aspecto circular semelhante a uma "cúpula".

O conduto oriental é o mais amplo deles e representa o curso pretérito do rio. Em seções (cortes) transversais, mostra paredes laterais regulares, sem patamares ou bancadas, com silhueta dominantemente triangular, tal como expresso no portal da entrada, ou então retangular a quadrada. De montante para jusante do vale, inicia-se no portal, forma um trecho retilíneo no sentido sul-norte que sofre inflexão brusca para N60W, ainda na zona iluminada. Só após a zona de penumbra, subdivide-se no conduto ocidental, desenvolvido em cota topográfica inferior, ambos assumindo gradativamente o alinhamento principal SW-NE.

No conduto maior são encontrados grandes acúmulos sedimentares, em geral sob pilhas de blocos desmoronados. Os blocos, por sua vez, apresentam-se localmente recobertos ou cimentados por concreções carbonáticas. Nesta galeria principal abre-se uma das gigantescas clarabóias, expressão culminante dos processos de desmoronamento que modificaram a morfologia original do conduto.

Pequenas ramificações laterais apresentam-se, por vezes, totalmente colmatadas por sedimentos clásticos.

O segundo conduto tem amplitudes reduzidas relativamente ao primeiro, com predominância de seções poligonais. Nesse segmento também ocorrem pilhas de blocos de abatimento. No entanto, o volume das pilhas é menor e os blocos tendem a formas placoides losangulares que diferem da morfologia cúbica dos blocos dispostos na galeria principal.

Após o ponto de surgência, o rio segue tangenciando a parede limítrofe a oeste, compondo o ambiente mais jovem da caverna, em pleno processo de entalhamento.

Espeleotemas

Tal como a amplitude de seus espaços, Brejões prima em espeleotemas de grande porte. Algumas associações de estalagmites, escorrimentos calcíticos e represas de travertino ("bolos de noiva") são notáveis pelo tamanho e beleza. Chegam a ter 10 metros de altura e mais de 5 metros de diâmetro, com bacias de bordas bem delineadas, com até 2 metros de profundidade. Entre elas, destaca-se a formação denominada de "altar" (figura 7), onde são depositadas oferendas e acesas milhares de velas. A cera enegrecida acumulada, aliás, é fator de sua grande depreciação.

Há locais em que as represas de travertino ocupam grandes áreas do piso de galerias. Devido ao porte destas seqüências de travertinos, seus pontos de origem indicam locais de expressivo e contínuo escoamento das águas vadosas rumo ao nível de base. Ao longo da galeria principal, mais antiga, são reconhecidos pelo menos quatro pontos desse tipo: um deles junto ao "altar", outro pouco adiante, de onde deriva todo o concrecionamento do piso próximo ao pórtico, e outros dois, situados no trecho mediano onde estão as principais conexões entre as galerias. A partir deste último ponto, as concreções estendem-se em várias direções, rumo ao conduto ocupado pelo rio.

De um ponto mais elevado do teto, já nas proximidades da "1a clarabóia", provêm escorrimentos carbonáticos de grande porte que assentam-se sobre um espesso pacote sedimentar clástico. Outras ornamentações pontuais devem ser mencionadas, como cones em uma bacia tipo represa de travertino, atualmente seca, estalactites que atingem 13 metros de comprimento ou, em antagonismo, coralóides delicados, pérolas aninhadas, canudos e helictites (vide figura 5-a,b,c). Onde há estagnação de água, proliferam jangadas (crostas flutuantes).

Em duas galerias menores paralelas às maiores, no extremo leste da cavidade, está a grande concentração dos espeleotemas da caverna (vide figura 5). É uma zona atualmente quase inativa, quanto à precipitação química, e já fora da área de influência do rio. Nesse segmento estão aglomerados conjuntos fenomenais de espeleotemas: escorrimentos, cortinas, estalactites, estalagmites, colunas, couves-flores e represas de travertino, em inúmeras combinações pelo teto, paredes e piso, com dimensões variando de milímetros a vários metros.

Aspectos evolutivos

A caverna é componente da Província Espeleológica do Bambuí, Distrito de Irecê, segundo a classificação de Karmann & Sánchez (1979). Desenvolve-se em calcissiltitos laminados cinzentos neoproterozóicos da Formação Salitre (Grupo Una).

Ainda não houve um estudo detalhado dos seus depósitos sedimentares interiores ou das feições morfológicas em micro e mesoescala que permita sugerir um histórico da dinâmica erosiva e deposicional do principal agente do entalhe da caverna - o rio Jacaré.

As linhas gerais da evolução de Brejões fundamentam-se atualmente na organização das galerias, em aspectos morfológicos e na distribuição de alguns componentes sedimentares, havendo evidência de que o curso responsável pelo entalhe sofreu variações em seu percurso e vazão no decorrer do rebaixamento do nível de base da região. Isso deve ser compatível com o modelo de evolução geomorfológica e climática regional.

A organização paralelizada das principais galerias aponta uma cronologia de evolução de leste para oeste, com galerias desenvolvendo-se lateralmente em horizontes estratigráficos progressivamente inferiores no sentido W/NW, tal como mostra o perfil ilustrativo da figura 5, culminando no conduto que hoje é percorrido pelo rio. Alguns trechos de galerias podem ser reconhecidos como antigos meandros, possivelmente decorrentes de modificações na intensidade do fluxo, sazonais ou "históricas", ou mudanças de rota dirigidas pelo próprio preenchimento sedimentar. Atualmente, a variação na vazão do rio gera planícies de inundação onde há erosão de blocos desmoronados.

Trechos amplos das galerias mais antigas apresentam-se totalmente preenchidos por sedimentos, que podem, talvez, vir a ser correlacionados aos estágios de fluxos de detritos constatados nas cavernas da região de Iraquara, por Laureano (1998).

O entalhe mais recente, evidenciado nas galerias inferiores, aparenta uma tendência de evolução mais lateral, do que vertical. O padrão de blocos de abatimento placóides predominantes nos níveis inferiores da caverna, em contraste aos blocos cúbicos dos níveis superiores, assim como a morfologia dos condutos inferiores com seções transversais de perfil horizontalizado, são atribuídos a um controle litológico definido por horizontes inferiores com laminação mais penetrativa e fina, marcada por superfícies de estratificação e intercalações argilosas, e horizontes superiores, mais maciços e menos laminados.

De modo geral, nota-se um condicionamento estrutural por fraturas subverticais, tanto em feições de pequena escala, como nos trechos retilíneos de amplas galerias e do vale de abatimento. Nas galerias inferiores, a influência das laminações subhorizontais é mais evidente, quando analisados a geometria dos condutos e a dinâmica de entalhe e de ampliação da caverna.

Com os dados disponíveis, propõe-se uma evolução singenética desta cavidade, onde a iniciação e ampliação freática, pouco desenvolvida (ou pouco acessível), no topo dos altos condutos, foi seguida por um entalhamento vadoso com cerca de 80 a 100 m de desnível, acompanhado de alargamento lateral, com cerca de 100 m de largura máxima. A morfologia original dos condutos é pouco preservada, predominando a forma alterada por abatimento.

Sedimentos e material fossilífero

Um desnível com cerca de 15 metros de altura interrompe abruptamente a continuidade do piso da galeria principal da caverna. Tal desnível caracteriza uma seção erosiva de um espesso depósito sedimentar, que representa, qualitativamente, o acúmulo de sedimentos clásticos mal-selecionados, recobertos por concreções químicas e espeleotemas.

Neste pacote sedimentar, ainda desconhecido do ponto de vista sedimentológico, salienta-se um importante conteúdo fossilífero, conforme evidenciado pelo material já coletado por pesquisadores da PUC de Minas Gerais, em diversos locais da caverna, no ano de 1977. Este material consta de 1.500 peças pertencentes a 17 indivíduos de Paleolama sp (lhama), material de 6 indivíduos de Nothrotherium maquinense (preguiça), Eremotherium laurillardi (preguiça-gigante), restos de 3 indivíduos de Glossotherium (Ocnotherium) giganteum (preguiça), 4 indivíduos de Pampatherium humboldti (tatu-gigante), 1.000 peças de aves, 2 indivíduos de Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-bandeira), Coendou sp (ouriço-cacheiro), Lutra sp (lontra), roedores, veados, mastodontes, porcos-do-mato, cavalos, antas e morcegos (Cartelle, 1983).

Situações de impacto ambiental e recomendações

Ao longo da caverna existem várias trilhas e um caminho principal, relativamente bem marcado, sobre as pilhas de blocos desmoronados e espeleotemas, que corresponde a um percurso fácil entre a entrada principal e o canyon, passando pelas duas clarabóias (vide figura 5-a). Em suma, há trânsito nos diversos trechos da caverna, sejam eles parcialmente iluminados pela luz natural ou absolutamente escuros. Com isso, há pichações e lixo por toda parte, embora concentrem-se mais nas zonas claras e ao longo do percurso principal.

Pela conotação religiosa, foram instalados altares rudimentares onde são acomodadas imagens, estatuetas, velas e oferendas, onde há maior aglomeração de pessoas. Julga-se não haver maiores restrições para os altares já estabelecidos no salão da entrada, já que o local é bastante amplo para comportar grande número de pessoas, salvo a necessidade de orientação sobre as pichações, o lixo e a queima de fogos de artifício. O mesmo não se pode dizer para o altar estabelecido sobre a grande estalagmite existente a cerca de 500 metros da entrada ("bolo-de-noiva"). Tal espeleotema (vide figura 7) é reconhecido como uma das principais feições da caverna e um representante de destaque das riquezas ornamentais subterrâneas do país. Encontra-se em local pouco espaçoso para comportar acúmulo de pessoas, o que causa destruição dos delicados contornos das represas de travertino.

Outro local de intensa degradação é o chamado "trecho fóssil" (galerias orientais), onde há a maior concentração de espeleotemas. O trânsito nesse segmento merece restrições. Recomenda-se o levantamento e caracterização detalhada de cada conjunto de ornamentos e um zoneamento especial do trecho, que controle e oriente a visitação. Sem que se faça necessário qualquer alteração no ambiente natural, quer seja pela movimentação dos objetos existentes ou pela implantação de objetos estranhos a ele, uma solução simples pode ser o acompanhamento da visitação por um guia capacitado e equipado, aplicável também a outras partes interessantes da gruta (Berbert-Born & Horta, 1995).

Salienta-se que para qualquer tipo de manejo da área são imprescindíveis estudos de impacto ambiental multidisciplinares que compreendam a gruta propriamente dita e também o seu entorno, que inclui o levantamento dos componentes da fauna e flora. Estes estudos devem apontar com clareza a "capacidade de carga" do sistema, suas restrições e adequações a termos espaciais e temporais. E, finalmente, as comunidades próximas devem ser sempre consideradas e convidadas à participação, e os resultados voltados especialmente ao seu benefício.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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