Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 062 Varvito de Itu, SP Data:21/03/2000 Antônio
Carlos Rocha-Campos © Rocha-Campos,A.C. 2000. Varvito de Itu, SP. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet
21/03/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio062/sitio062.htm
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RESUMO
O sítio visa proteger a clássica exposição de varvito
do Subgrupo Itararé (Permo-Carbonífero), situada junto a Itu, no centro-leste
do Estado de São Paulo.
O varvito de Itu é um ritmito constituído
por sucessão regular de pares de litologias incluindo camada/lâmina inferior,
mais grossa, clara, de arenito fino-siltito, encimada por lâmina mais fina,
escura, de siltito/argilito O contato é discordante entre os pares e brusco
entre os estratos claro e escuro de cada par. A espessura das camadas/lâminas
claras varia verticalmente, mas a das lâminas escuras mantêm-se constante.
Evidências
sedimentológicas, palinológicas e paleomagnéticas indicam um provável
controle sazonal (anual) na deposição dos pares de litologias do varvito,
semelhantemente às argilas várvicas pleistocênicas. Cerca de 300 pares de
litologias estão representados na pedreira de Itu. Estruturas sedimentares típicas
do varvito estão belissimamente expostas na pedreira, assim como abundantes
icnofósseis representando invertebrados aquáticos bentônicos. São também
notáveis, embora relativamente raros, dispersos no varvito, clastos caídos de
tamanho e composição diversos e montículos de detritos glaciogênicos
liberados de gelo flutuante (icebergs).
O
provável ambiente deposicional do varvito corresponde a um corpo de água ou
lago próglacial em contato parcial ou temporário com a margem da geleira. As
camadas/lâminas claras depositaram-se pela ação de correntes densas/de
turbidez , durante o verão, seguidas da decantação de lâminas de
silte/argila, durante o inverno, quando o lago encontrava-se congelado.
A pedreira de Itu é a
melhor exposição de ritmito glacial conhecida na Bacia do Paraná,
constituindo uma ocorrência clássica da geologia gondwânica do Brasil. A
exposição está plenamente protegida no interior do Parque do Varvito.
ABSTRACT
The
site aims at protecting a classical exposure of varvite
from the Itararé Subgroup (Permo-Carboniferous), near Itu, in central-eastern
State of São Paulo.
The
Itu varvite is made up of rhythmites consisting of a lower, coarser,
light-colored bed/lamina of fine sandstone/siltstone overlain by a thin, dark
lamina of siltstone/argillite. Contact between pairs as well as between light
and dark layers of the same pair is sharp. Thickness of the light beds/laminae
vary vertically, but that of the dark laminae is constant.
Sedimentological, palynological and
paleomagnetic evidence indicate probable seasonal (annual) control on the
deposition of the lithologic pairs of the varvite, as in Pleistocene varve clays. About 300 pairs are present in
the Itu quarry.
Typical
sedimentary structures of the varvite are beautifully exposed in the quarry, as
well as abundant ichnofossils assigned to aquatic, benthonic invertebrates.
Though relatively rare, dropstones of varied composition and size (up to 2
meters in diameter) and mounds of glaciogenic debris liberated from icebergs are
found dispersed in the rock.
Probable
depositional environment of the varvite was a proglacial water body or lake
partially or temporarily in contact with the glacier margin. The light,
sandstone/siltstone beds/laminae were deposited by dense flows/turbidity
currents during summer, followed by the settling of muds from suspension during
winter, when the lake was frozen over.
The
Itu quarry, the best exposure of glacial rhythmite known in the Paraná Basin,
represents a classic geological monument related to late Paleozoic glaciation.
The monument is well preserved within the Parque do Varvito (Varvite Park).
INTRODUÇÃO
O
presente sítio, de natureza geológica, tem por finalidade proteger a magnífica
exposição de ritmito do Subgrupo Itararé (Permo-Carbonífero, Bacia do Paraná),
conhecido na literatura como varvito, da histórica pedreira de Itu, situada na
zona urbana dessa cidade paulista.
LOCALIZAÇÃO
A pedreira situa-se nas dependências do Parque do Varvito, na zona urbana da cidade de Itu, à Avenida do Varvito, s/n, a cerca de 90 km de São Paulo. O acesso ao parque pode ser feito a partir do km 27 da Rodovia do Açucar (SP-79), através da citada avenida, estando devidamente sinalizado (Figura 1).
Figura 1 - Localização do sítio.
Figure 1 - Location of site.
HISTÓRICO
As famosas lajes da
pedreira de Itu são historicamente conhecidas e utilizadas para pavimentação
de edifícios e calçadas das principais ruas da cidade de Itu, desde pelo menos
o começo do sécul 18 José Bonifácio de Andrada e Silva (o “Patriarca da
Independência”) e seu irmão Martim Francisco Ribeiro de Andrada referem-se a
rochas correspondentes ao varvito no relatório de sua “Viagem Mineralógica
na Província de São Paulo”, realizada em 1820 (Mendes e Rocha-Campos, 1963).
Outros pesquisadores que percorreram a região de Itu, no final do século 19 e
princípios do século 20, fizeram também referências a essa rocha (Oliveira,
1887; Gonzaga de Campos, 1888; Florence, 1907; apud Mendes, 1944). O notável
pintor ituano Miguelzinho Dutra deixou um registro visual da “Pedreira de
Itu”, em significativa aquarela datada de 1841.
DESCRIÇÃO DO SÍTIO
O sítio corresponde a uma pedreira desativada de varvito, localizada nas dependências do atual Parque do Varvito (Figura 2). A área total do parque é de 44.346 m2. O varvito aflora ao longo de várias faces planas verticais da pedreira, que correspondem às antigas frentes de extração da rocha (Figura 3). As faces são claramente controladas por um sistema predominantemente ortogonal de fraturas, segundo N18oE, N36oE, N91o-101oE e N141o-151oE. As exposições principais situam-se no lado sul da pedreira. Outros afloramentos podem ser vistos no canto noroeste do parque, onde provavelmente localizava-se a frente de extração mais antiga.
Figura 2
- Vista geral do parque mostrando as exposições principais do varvito.
Figure 2 - General view of the park showing main exposures of varvite.
Figura 3 - Frente da pedreira
mostrando estratificação plano-paralela e outras estruturas sedimentares,
variação na espessura dos pares litológicos e juntas verticais.
Figure 3 - Quarry face showing plane-parallel bedding and other sedimentary structures, and orthogonal joints.
A espessura máxima do varvito exposta na pedreira é de cerca de 15 m. Nas suas diversas faces, uma série contínua de cerca de 260 pares de litologias foi identificada e medida (M. Ernesto, comunicação pessoal, 1999). A espessura dos pares diminui para cima, de cerca de 50 cm, junto ao assoalho da pedreira, até cerca de 1,5 cm ou menos, na parte superior, intemperizada, da seção exposta (Figura 4). Esta tendência envolve, contudo, variações, ocorrendo pares mais delgados e espessos esporadicamente entremeados. A tendência de afinamento para cima dos pares é acompanhada por mudança granulométrica, particularmente visível nas camadas/lâminas claras, as mais inferiores de arenito fino, passando a mais sílticas no topo. Pares ainda mais delgados podem ser observados na parte superior da seção exposta ao longo da rua externa à pedreira, em direção a Itu. Rocha-Campos et al. (1972) estimaram aí cerca de 300 pares de litologias. O padrão de diminuição de espessura decorre principalmente da variação de espessura das camadas/lâminas claras, a das lâminas escuras permanecendo mais ou menos constante, em torno de 5 mm.
Figura 4 - Variação
de espessura dos pares de litologias numa das faces da pedreira.
Figure 4 - Variation in thickness of pairs along one face of the quarry.
Estruturas sedimentares são abundantes e variadas no varvito (Figura 5). Rocha-Campos e Sundaram (1981) comentam que a separação entre os pares de litologias é brusco. Contato brusco também é notado entre as camadas/lâminas claras e lâminas escuras dos pares. Nas primeiras, ocorrem finas partições de siltito/argilito, enquanto que lâminas delgadas de siltito podem ser vistas nas lâminas escuras. Além dessas, outras estruturas encontradas nas camadas/lâminas claras incluem microlaminação cruzada de marcas ondulares migrantes, laminação drapeada de siltitos sobre marcas onduladas e laminação gradacional múltipla. Clastos variando em tamanho de mm a dm, de composição diversa, principalmente de granito e quartzito, intercalam-se no varvito, deformando os estratos inferiores e superiores que os envolvem (Figura 6). Acumulações lenticulares de detritos glaciais podem também ser também raramente vistas entre os estratos da rocha. Durante a construção do parque, vários matacões decimétricos a métricos de granito e quartzito foram encontrados soltos no terreno, exumados pelo intemperismo do varvito. Estão hoje preservados e identificados em vários pontos do parque.
Figura 5
- Estratificação plano-paralela e microlaminação cruzada migrante nas
camadas claras. Notar lâminas múltiplas com estratificação gradacional
normal e lâminas drapeadas de siltito sobre marcas onduladas.
Figure 5 - Plane-parallel bedding and climbing micro-cross-lamination in light layer of the varvite.
Figura 6 - Clasto caído de quartzito (cerca de 20 cm de diâmetro). Notar deformação nos estratos acima e abaixo do clasto.
Figure 6 - Dropstone of quartzite (about 20 cm of diameter). Note deformation of beds above and below clast.
O varvito de Itu é famoso pela ocorrência abundante de pistas atribuídas a invertebrados aquáticos bentônicos, sobre os planos de estratificação da rocha (Figura 7). Dois icnogêneros foram identificados: Isopodichnos e Diplichnites (Fernandes et al., 1987), possivelmente representando diferentes tipos de impressões do corpo do mesmo animal. Marcas elípticas de repouso foram também encontradas. As pistas ocorrem, de modo mais nítido, sobre lâminas escuras do varvito. Além desses, outros fósseis identificados no ritmito incluem palinomorfos estudados por vários autores (e.g., Daemon e Quadros, 1970; Kemp, 1975; Dino et al., 1987). A interpretação biocronológica das assembléias é, entretanto, contraditória, alguns resultados sendo interpretados como indicativos de idade neocarbonífera e outros neopermiana. Evidências estratigráficas, entretanto, sugerem que o varvito e rochas associadas de Itu correspondem a intervalos mais jovens do Subgrupo Itararé.
Figura 7
- Icnofósseis na superfície do varvito.
Figure 7 - Trace fossils on bedding plane of the varvite.
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
A antiga pedreira de varvito de Itu encontra-se hoje devidamente protegida, através de várias medidas tomadas em âmbito estadual e municipal, a saber:
a) tombamento parcial da pedreira, em 1974, pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, atendendo à proposta do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT);
b) desapropriação de toda a área da pedreira e arredores, num total de 44.346 m2, incluindo a parte anteriormente tombada, pela Prefeitura Municipal de Itu, em 1993;
c) construção do Parque do Varvito, na área acima, pela Prefeitura do Município de Itu. O parque, inaugurado em 1995, é o segundo do gênero instalado no Brasil e buscou integrar a proteção e valorização do importante monumento geológico representado pela pedreira de varvito, com o aproveitamento planejado e racional da área para atividades de lazer, cultura e educação ambiental. O local está dotado de infra-estrutura adequada para as suas múltiplas finalidades e tem sido frequentado intensamente pela população local e por visitantes de outras cidades do Estado de São Paulo e Brasil, além de estudantes de vários níveis e pesquisadores brasileiros e do exterior. O parque está também incluído no roteiro de excursões geológicas (Rocha-Campos et al., 1972; 1988) e de visitas de empresas de turismo ecológico do Estado de São Paulo.
AGRADECIMENTOS. Paulo R. dos Santos, José R. Canuto, Ivo Trodstorf Jr. e Alexandre Tomio prestaram valioso auxílio nos trabalhos de campo em Itu e Salto, pelo que lhes sou grato. Agradeço ainda a Paulo R. dos Santos pela leitura crítica do texto e a Thomas R. Fairchild pela revisão do inglês. Este artigo é uma contribuição do Projeto Temático: “Controles tectônico, climático e paleogeográfico das características, gênese e preservação dos depósitos glaciais pré-cenozóicos do Brasil”, apoiado pela FAPESP (Proc. 91/0546-2).
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VARVITO - O termo parece ter sido usado pela primeira vez, em português, por Leinz (1937). (Voltar)
VARVITE - The term seems to have been first used in Portuguese by Leinz (1937). (Back)