Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 030 A REGIÃO DA CAVERNA AROE JARI, CHAPADA DOS GUIMARÃES (MT) [pre print] Data: 06/01/2000 Leonardo Borghi © Borghi,L.; Moreira,M.I.C. 2000. A região da caverna Aroe Jari, Chapada dos Guimarães (MT). In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 06/01/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio030/sitio030.htm [Atualmente https://sigep.eco.br/sitio030/sitio030.htm ]
Versão Final Impressa: Leonardo Borghi 1 1,2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Geociências, Departamento de Geologia, 21949-900, Rio de Janeiro, RJ © Borghi,L.; Moreira,M.I.C. 2002. Caverna Aroe Jari, Chapada dos Guimarães, MT - Raro exemplo de caverna em arenito. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, v.01: 481-489. |
RESUMO
A caverna Aroe Jari, localizada na Chapada dos Guimarães, ao Norte do Estado de Mato Grosso, é um exemplo bom e raro de caverna formada em rochas sedimentares siliciclásticas. A caverna ocorre nas formações Alto Garças e Vila Maria (Grupo Rio Ivaí), de idade ordovício-siluriana, na bacia do Paraná, em sua borda Noroeste. Outras cavernas além da Aroe Jari, ocorrem nas proximidades (Lagoa Azul e Kiogo Bardo). A gênese dessas cavernas é atribuída à resistência dos diamictitos da Formação Vila Maria à erosão superficial, os quais sustentam o relevo local e caracterizam o teto da caverna; e à erosão por piping dos arenitos e conglomerados das formações Vila Maria inferior e Alto Garças superior, os quais caracterizam as paredes e piso das cavernas. O mecanismo de piping é conseqüência da alta friabilidade das rochas dessas formações devido a um fraturamento regional (N70oE), e decompactação por carga dessas unidades mais basais da bacia do Paraná.
ABSTRACT
The Aroe Jari Cave, located in the Chapada dos Guimarães Plateau, Northern Mato Grosso State, is a rare and good example of cave in siliciclastic sedimentary rocks. It occurs in the Ordovicio-Silurian Alto Garças and Vila Maria formations (Rio Ivaí Group) of the Paraná Basin, at its Northwestern Border. Other caves than the Aroe Jari are also registred nearby (Lagoa Azul and Kiogo Brado). Their genesis in attributed to the resistence of the Vila Maria Formation diamictites to surface erosion, which sustain the local relief and characterize the ceiling of the cave; and to the erosion by piping of the lower Vila Maria and upper Alto Garças formations sandstones and conglomerates, which characterizes the walls and floors of the caves. Piping is consequence of a high friability of the rocks due to regional fracturing (N70oE), and to lithostatic unload of these lowermost lithostratigraphic units of the Paraná Basin.
INTRODUÇÃO
A caverna Aroe Jari encontra-se no domínio fisiográfico da Chapada dos Guimarães e no domínio geológico da bacia sedimentar do Paraná. Este sítio possui importância geológica por conter significativas exposições das formações Alto Garças e Vila Maria, para quais, os autores propõem respectivamente um lectoestratótipo e paraestratótipo; importância geomorfológica por tratar-se de cavernas em arenitos, o que raramente se observa no modelado do relevo; importância paleontológica por conter riqueza icnofossilífera; e, por fim, espeleológica por tratar-se de uma caverna em rochas sedimentares siliciclásticas, fato incomum.
Além dessa caverna, outras ocorrem nas proximidades, tais como a do Lago Azul, que apresenta um espelho de águas cristalinas ("azuis"), e a Kiogo Brado, constituindo um sistema de cavernas das quais a Aroe Jari é a mais renomada. Essas outras cavernas também merecem tratamento no contexto do sítio.
Apenas as cavernas Aroe Jari e a Kiogo Brado são cadastradas pela SBE Sociedade Brasileira de Espeleologia, respectivamente sob os números SBE MT-038 e SBE MT-037.
LOCALIZAÇÃO
A caverna Aroe Jari localiza-se no Município de Chapada dos Guimarães (Figura 1), ao norte do Estado de Mato Grosso, entre as cabeceiras dos córregos Aricá-Açu, Caveira e Monjolinho (Lat. 15°36'26" S, Long. 55°29'30" WGr).
O acesso à caverna pode ser feito a partir da Cidade de Chapada dos Guimarães através da Rodovia MT-251 (não pavimentada), em um percurso de 28 km até o entroncamento com a Rodovia MT-301; nesta rodovia seguem-se 4 km até a entrada da fazenda Nossa Senhora Medianeira; a partir da entrada dessa fazenda seguem-se cerca de 14 km para sul, cruzando-se as cabeceiras dos rios Caveira e Monjolinho, sucessivamente. Os três últimos quilômetros são percorridos apenas à pé, por trilha. A caverna Aroe Jari possui dois acessos, dos quais o primeiro é logo alcançado seguindo-se a drenagem do córrego Monjolinho a montante, e, o segundo, caminhando-se por trilha, à direita da primeira entrada para Sudoeste. As demais cavernas são alcançadas também seguindo-se continuamente pela trilha para Sudoeste (sucessivamente alcançando-se a do Lago Azul e a Kiogo Brado).
HISTÓRICO
Em termos de ocupação humana, a caverna Aroe Jari (também conhecida como Gruta das Almas ou Caverna do Francês) pode ter sido freqüentada em diversos momentos por indígenas, desde tempos pré-históricos. Entretanto, o único registro físico dessa ocupação são cemitérios mais recentes dos índios Bororo e Caiapó, que habitavam a Chapada dos Guimarães quando da colonização da região pelo europeu. Diversos relatos populares fazem crer que essa e as demais cavernas fossem conhecidas desde o final do século passado por tropeiros e habitantes locais. Todavia, os primeiros relatos científicos podem ser atribuídos ao espeleólogo Ramis Bucair, que a teria visitado no início da década de 70, segundo trabalhos de Maria Lúcia Pardi sobre sítios arqueológicos da Chapada dos Guimarães. Em meados da década de 80, Tércio Soares Barreto relata o mapeamento e topografação detalhados da caverna realizados pela. (Mattos 1999)
Do ponto de vista geológico, apesar da bacia do Paraná apresentar um bom nível de conhecimentos geológicos, os seus afloramentos da região de Chapada dos Guimarães, na sua borda Noroeste, ainda são bem pouco conhecidos e discutidos. Nessa região, segundo a literatura geológica comum, afloram as formações Furnas, Ponta Grossa, Botucatu e Bauru, e uma "cobertura detrito-laterítica". Entretanto, Borghi & Moreira (1996), em trabalhos de campo do projeto "Revisão Estratigráfica da Seqüência Basal da Bacia do Paraná" da UFRJ, desenvolvidos nos municípios de Chapada dos Guimarães, Campo Verde e Santo Antônio do Leverger, parte oriental da região da Chapada dos Guimarães, revelaram a ocorrência inédita de um intervalo estratigráfico representado pelas formações Alto Garças e Vila Maria, pertencentes ao Grupo Rio Ivaí, em inconformidade sobre o Grupo Cuiabá (embasamento) e em discordância sob as formações Furnas e Ponta Grossa, do Grupo Paraná.
Esse intervalo estratigráfico do Paleozóico Inferior, o qual as cavernas aqui descritas entalham, finalmente mapeado como Grupo Rio Ivaí na escala de 1:500.000 por Borghi & Moreira (1998a) (Figura 1), era erroneamente atribuído à Formação Furnas desde os mapeamentos de Oliveira & Mühlmann (1965, 1967). Tal fato deve-se à similaridade litológica entre essas unidades litoestratigráficas, onde mesmo os diamictitos presentes na Formação Vila Maria são passíveis de serem descritos como arenitos com grânulos e seixos, não se destacando obviamente das litologias da Formação Furnas.
Geologia da região
No sítio das cavernas, Borghi & Moreira (1998a) mapearam o Grupo Rio Ivaí. Este grupo, foi proposto por Assine et al. (1994) para identificar a sucessão de arenitos da Formação Alto Garças, diamictitos da Formação Iapó, e folhelhos e arenitos da Formação Vila Maria, que ocorrem em inconformidade acima do embasamento da bacia (Pré-cambriano), e estratigraficamente abaixo da Formação Furnas (Devoniano, base do Grupo Paraná), em contato discordante (Figura 2). O Grupo Rio Ivaí abarca intervalo temporal de 460 a 420 milhões de anos, envolvendo o final do Período Ordoviciano e início do Período Siluriano (início do Paleozóico).
Formação Alto Garças
A Formação Alto Garças foi formalizada por Assine et al. (1994) para designar a seção predominantemente arenítica que ocorre estratigraficamente acima do embasamento da bacia do Paraná e abaixo da Formação Iapó, em contato discordante, nos poços 2-AG-1-MT (Alto Garças) e 2-RI-1-PR (Rio Ivaí), ambos da PETROBRAS.
Na região das cavernas, a Formação Alto Garças forma uma escarpa abrupta (primeira escarpa), acima da Baixada Cuiabana, de direção NW-SE, com altimetria em torno de 600 m, a qual se estende desde as cabeceiras do rio Formosa, no Município de Chapada dos Guimarães, até as cabeceiras do córrego Aricá-Mirim, no Município de Campo Verde (Figura 1). Tem suas melhores exposições nas escarpas próximas às cavernas (Figura 1, ponto 2), no Município de Chapada dos Guimarães e na localidade de Torrinhas (Figura 1, ponto 5), no Município de Campo Verde, onde esta alcança a espessura de cerca de 40 m. Além dessas localidades, a Formação Alto Garças ocorre no morro do Ranchão (Figura 1, ponto 4), um morro testemunho a SW da região das cavernas, no Município de Santo Antônio do Leverger.
Na região, a Formação Alto Garças posiciona-se em inconformidade sobre o embasamento, representado por filitos do Grupo Cuiabá ou em discordância sobre o "arenito Campo Verde" (sensu Borghi & Moreira 1998b), e em discordância sob os conglomerados basais da Formação Vila Maria (sensu Faria 1982), esta associada a um limite de seqüências de tipo 1, segundo Borghi & Moreira (1997). Em termos faciológicos, a Formação Alto Garças está representada, na base, por fácies de conglomerado maciço, e para o topo, por fácies de arenito maciço, arenito com laminação plano-paralela em camadas tabulares e arenitos com Skolithos linearis (icnofácies Skolithos) interpretadas como o registro de um sistema marinho raso arenáceo. (Moreira & Borghi 1999a)
Em termos paleontológicos, Borghi et al. (1997) identificaram o icnofóssil Skolithos linearis Haldeman, 1840, como característico da Formação Alto Garças na região de Chapada dos Guimarães. O icnofóssil ocorre em uma densa assembléia comumente designada de "piperock", que exemplifica uma icnotrama monoicnoespecífica, comum da icnofácies Skolithos em estratos paleozóicos (Moreira et al. 1997), o qual empresta um aspecto "vazado por tubos" ao arenito que o contém.
Formação Vila Maria
A Formação Vila Maria foi formalizada por Faria (1982) para designar uma sucessão de diamictitos, folhelhos e arenitos que afloram no povoado homônimo, no Estado de Goiás, borda Nordeste da bacia (cf. Moreira & Borghi 1999a). Quanto à idade, segundo Gray et al. (1985) e Grahn (1992), a Formação Vila Maria é datada do Llandovery (início do Siluriano) com base em palinomorfos.
Assine & Soares (1989) e Assine et al. (1994) redefiniram a Formação Vila Maria proposta por Faria (1982) em sua abrangência estratigráfica, excluindo-lhe os diamictitos de sua base. Entretanto, essa proposta de emenda à diagnose da Formação Vila Maria não foi seguida neste trabalho.
Na região (Figura 1), a Formação Vila Maria estende-se pelo platô entre a primera escarpa (Formação Alto Garças) e uma segunda escarpa (Formação Furnas). Apresenta uma espessura média de cerca de 20 m, como observado nas escarpas próximas às cavernas (Figura 1, ponto 2) e na região da fazenda Serrinha (Figura 1, ponto 3). No morro do Ranchão, a Formação Vila Maria apresenta a espessura máxima de cerca de 70 m, representando a sucessão mais completa desta (Figura 1, ponto 4).
A Formação Vila Maria, segundo Moreira & Borghi (1999a), é faciologicamente complexa na região, constituindo-se, da base para o topo, em sucessão, de: (i) conglomerados com estratificação cruzada de um sistema fluvial; (ii) conglomerados e arenitos intercalados em camadas tabulares e arenitos com Arthrophycus alleghaniensis (icnofácies Cruziana) de um sistema marinho raso rudáceo; (iii) folhelhos com Chondrites isp. e Teichichnus isp. (icnofácies Cruziana), arenitos com laminação cruzada cavalgante e diamictitos de um sistema glácio-marinho; e (iv) arenitos em camadas tabulares, com estratificação cruzada ou com laminação cruzada ondulada, arenitos e folhelhos intercalados em acamamento flaser, wavy e linsen, arenitos com Arthrophycus alleghaniensis e Palaeophycus isp. (icnofácies Cruziana), e arenitos com Skolithos linearis (icnofácies Skolithos) de um sistema marinho raso arenáceo.
Posiciona-se sobre a Formação Alto Garças em discordância erosiva (limite de seqüências de tipo 1) e sob os conglomerados da Formação Furnas em aparente discordância angular (cf. Borghi & Moreira 1996a, 1998a).
Em termos paleontológicos, Moreira et al. (1999) identificaram os seguintes icnogêneros: Arenicolites Salter, 1857, Arthrophycus Hall, 1852, Aulichnites Fenton & Fenton, 1937, Chondrites von Sternberg, 1833, Diplocraterion Torell, 1870, Lockeia James, 1879, Palaeophycus Hall, 1847, Skolithos Haldeman, 1840 e Teichichnus Seilacher, 1955; Machado et al. (1997) identificaram o gênero de biválvio ctenodontídeo Tancrediopsis Beushausen, 1895 na região da fazenda Serrinha e no morro do Ranchão; e Mussa et al. (1997) descreveram megafósseis de plantas vasculares primitivas na região da fazenda Serrinha, atribuíveis às espécies Cooksonia hemisphaerica Edwards, 1979 e Cooksonia caledonica Edwards, 1970.
DESCRIÇÃO DO SÍTIO
As diversas cavernas ocorrem muito próximas, em um alinhamento de direção N70ºE, constituindo um sistema, no qual a caverna Aroe Jari (Figura 3) é a primeira que se observa a NE; seguem-se as caverna do Lago Azul (Figura 4) e Kiogo Brado (Figura 5), as quais não possuem conexão física. Todas possuem orientação de maior extensão das galerias na mesma direção do seu alinhamento. Em particular, na caverna do Lago Azul, fraturas na direção N80oW são muito proeminentes, as quais podem constituir o par conjugado com as fraturas que dão origem às cavernas, sem entretanto, condicionar a formação de nenhuma caverna conhecida.
Em termos litológicos, os diamictitos da Formação Vila Maria, que ocorrem no topo da sucessão estratigráfica das cavernas, sustentam o relevo local e formam as paredes e tetos das cavernas; enquanto que, os conglomerados e arenitos da Formação Vila Maria, que ocorrem em sucessão abaixo dos seus diamictitos, e os arenitos da Formação Alto Garças, extremamente friáveis, dão origem às cavernas por um suposto processo de piping e formam as paredes e pisos das cavernas.
Nos diamictitos predomina a classe areia, de granulometria muito fina a grossa, geralmente mal selecionada, por vezes bimodal, de composição quartzosa, considerada como matriz; neles são freqüentes seixos de quartzo branco leitoso, angulosos a subarredondados, e, mais raramente, seixos euédricos de quartzo hialino e seixos e matacões de filitos e quartzitos. Apesar da ausência de finos na matriz (silte e argila) dos diamictitos, sua má seleção reduz-lhes as características permo-porosas em comparação com as demais rochas da região, o que lhes confere um caráter "impermeável", menos susceptível a erosão. Em termos paleoambientais, estes diamictitos são evidência da glaciação ordovício-siluriana registrada no Gondvana (Caputo & Crowell 1985).
Os conglomerados da Formação Vila Maria são monomíticos, finos a médios, com megaclastos subangulosos a subarredondados, quartzosos (quartzo leitoso e hialino), cuja matriz é constituída por um quartzo-arenito fino a grosso, mal selecionado, geralmente de grãos angulosos a subarredondados. Em termos paleoambientais, reportam-se ao contexto de uma antepraia superior, sob ação de fortes vagas de tempestade.
Já os arenitos das formações Vila Maria e Alto Garças, quartzosos, cimentados por quartzo, apresentam-se muitas vezes fraturados e com porosidade secundária resultante da decompactação dos estratos por erosão. Esta situação aumenta as características permo-porosas dos arenitos, o que facilita a sua erosão, no caso por piping. Em termos paleoambientais, esses arenitos foram depositados no domínio de antepraia sob ação de ondas com energia variável, desde de tempestades até tempo-bom.
Em termos tectônicos, é notável a presença regional de deformações glaciogênicas observadas no intervalo das camadas de diamictitos ou, como na caverna Aroe Jari, no contato desse intervalo com o de arenitos e conglomerados, sotoposto, dentro do contexto da Formação Vila Maria. Neste intervalo as principais estruturas encontradas são dobras em bainha, boundins, estrias, falhas de descolamento e superfícies internas de cisalhamento (Moreira & Borghi 1998). Tais estruturas foram interpretadas como escorregamentos gravitacionais do tipo slump, em zona compressional. A vergência das dobras e o sentido de estiramento das estruturas mostram movimentação do slump para SSE.
Em termos estratigráficos, as cavernas obedecem um intervalo que cobre a parte basal da Formação Vila Maria (conglomerados, arenitos e diamictitos) e de topo da Formação Alto Garças (Figura 6). Essa cobertura estratigráfica é menor na entrada Nordeste da caverna Aroe Jari e aumenta em direção a SW, sucessivamente, na entrada Sudoeste da caverna Aroe Jari, na caverna do Lago Azul e na caverna Kiogo Brado, à medida que se aproximam as escarpas da borda da bacia (Figura 6). Este fato parece estar relacionado, em termos geomorfológicos, ao desnível de base da drenagem local (bacia de drenagem do rio Aricá-Açu). A discordância entre as formações Alto Garças e Vila Maria pode ser bem observada no teto das cavernas do Lago Azul e Kiogo Brado.
Em termos paleontológicos, são facilmente identificados icnofósseis de Skolithos nos arenitos da Formação Alto Garças, particularmente nas cavernas da Lagoa Azul e Kiogo Brado; e de Arthrophycus nos arenitos intercalados com conglomerados da Formação Vila Maria, particularmente no teto da caverna do Lago Azul. É notável a abundância em que ocorrem os Skolithos, descritos como piperock (Moreira et al. 1997).
Por fim, Borghi & Moreira (1996b) e Moreira & Borghi (1999b) sugeriram que o sítio da caverna Aroe Jari (Figura 1, ponto 2) fosse adotada como "seção de referência" (lectoestratótipo) da Formação Alto Garças na bacia do Paraná, devido ao seu fácil acesso, excelentes exposições e mapeabilidade. A Formação Alto Garças apresenta muito poucos afloramentos apontados na literatura, ainda questionáveis. A melhor exposição para sua observação é a caverna Kiogo Brado.
Quanto a Formação Vila Maria, seu intervalo inferior, bastante completo e que inclui, distintamente da área-tipo, conglomerados e arenitos na sua base, levaram Moreira & Borghi (1999b) a propor um estratótipo complementar na região (paraestratótipo). A melhor exposição encontra-se na caverna Aroe Jari.
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
Até meados da década de 80, sítio da caverna Aroe jari não demonstrava efeitos de erosão antrópica apreciável. Já a partir da década de 90, o aporte de turistas, inclusive de motoqueiros e jipeiros, trouxe sérios impactos locais pelo constante trilhamento dos caminhos que conduzem às cavernas (cf. Mattos 1999). Este fato esteve associado à divulgação das cavernas na mídia e da valorização do ecoturismo, sem o monitoramento ambiental adequado. Os impactos ambientais hoje são expostos por profundas voçorocas que entalham a paisagem junto aos caminhos.
Em 1989, a caverna Aroe Jari foi incluiuda dentro do "Plano de Reordenamento da Ocupação de Chapada", criado pela FEMA Fundação Estadual do Meio Ambiente com fundos do Programa Nacional do Meio Ambiente (Mattos 1999). A região foi considerada área de preservação ambiental pelo Decreto N.o 99556/90, implementado pela Portaria N.o 09/97/IBAMA/MT. A primeira ação protecionista foi observada já em 1997 pelos autores, quando uma guarita do IBAMA/MT foi instalada no local, e o acesso, controlado. É interessante mencionar, já nessa época, a presença de uma ONG (Organização Não-Governamental) denominada IPECA Instituto de Pesquisas Curupira Arara, que vem se empenhando na defesa da região.
O controle do afluxo de visitantes e o uso descontinuado de trilhas alternativas para acesso às cavernas, podem ser uma das medidas profiláticas à incidência de viçorocamentos.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos são devidos à FAPERJ (Proc E-26/170.293/99), ao 12.o Distrito do DNPM, ao MME/MT e à Sub-Reitoria de Ensino para Graduados e Pesquisa da UFRJ, que, ao longo de quase uma década apoiaram os estudos na região.
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