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SIGEP

Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil - 092

A ILHA DE TRINDADE

Data: 23/01/2000

FERNANDO F.M. DE ALMEIDA
ffma@uol.com.br  
Departamento de Minas, Escola Politécnica
Universidade de São Paulo 

© Almeida,F.F.M. 2000. A Ilha de Trindade. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 23/01/2000 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio092/sitio092.htm [Atualmente http://sigep.eco.br/sitio092/sitio092.htm]

© Almeida,F.F.M. 2002. Ilha de Trindade - Registro de vulcanismo cenozóico no Atlântico Sul. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A. ; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M.L.C. (Edits.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. 1. ed. Brasilia: DNPM/CPRM - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, v.01: 369-377.

[VER CAPÍTULO IMPRESSO]

(A referência bibliográfica de autoria acima é requerida para qualquer uso deste artigo em qualquer mídia, sendo proibido o uso para qualquer finalidade comercial)  

RESUMO

A pequenina ilha da Trindade situa-se no Oceano Atlântico Sul aproximadamente no paralelo de Vitória, Espírito Santo, afastada 1.140 km da costa. É o cimo erodido de uma grande montanha vulcânica que faz parte de um lineamento de montes vulcânicos submarinos. Repousa sobre o assoalho oceânico a quase 5.500 m de profundidade. Seu relevo é extremamente acidentado, pois que sendo de cerca de 13,5 km² a área da ilha, nela existem três picos com altitude próxima de 600 m. Suas rochas são lavas e intrusões fortemente sódico-alcalinas e subsaturadas em sílica, e piroclastos diversos. Recifes de algas, estreitas praias e dunas muito locais, reduzidos depósitos fluviais à beira-mar e diversos cones e aventais de talude é o que existe nessa ilha quase inteiramente constituída de rochas vulcânicas e subvulcânicas formadas entre o final do Plioceno e o Holoceno. É o único local em território brasileiro em que ainda se pode reconhecer parte de um cone vulcânico. A ilha não tem povoamento permanente, mas tem sido periodicamente ocupada por guarnições militares e visitada por pesquisadores. No decorrer dos cinco séculos desde que foi descoberta, permaneceu desabitada por longos períodos, o que deu ensejo a invasões estrangeiras. Por sua distância da costa, dificuldade de desembarque e acesso exclusivamente por mar, Trindade não oferece condições para o turismo, mas é um excepcional local para investigações científicas.

INTRODUÇÃO

Assim como Fernando de Noronha, a ilha da Trindade oferece grande interesse para as pesquisas sobre a origem e diferenciação dos magmas que irrompem da crosta oceânica. Distante como se acha do continente, destituída de facilidades turísticas e só acessível por mar (Foto 1), a ilha ainda tem preservados muitos de seus aspectos primitivos dignos de investigações ecológicas.

SITUAÇÃO

A ilha, distando 1.140 km da costa, situa-se a 20º 30’S e 29º 18’WG, aproximadamente no paralelo de Vitória, Espírito Santo. Seu isolamento na superfície oceânica não deixa entrever que faça parte de uma grande cadeia vulcânica submarina orientada a leste-oeste no chamado lineamento Vitória-Trindade. Nele constitui um vulcão apoiado no assoalho oceânico a quase 5.500 m de profundidade. Outros edifícios vulcânicos desse lineamento situados entre Trindade-Martim Vaz e a costa foram inteiramente arrasados pelo mar, nivelados a menos de 100 m de profundidade, constituindo hoje guyots, usualmente chamados bancos, mas as ilhas, talvez por terem sua atividade vulcânica persistido por mais tempo, ainda se elevam acima da superfície oceânica.

HISTÓRICO

Atribui-se o descobrimento da ilha a João da Nova, navegante espanhol a serviço de Portugal, que partiu de Lisboa em 1501. Deu-lhe o nome de Assunção, substituído no ano seguinte para Trindade, por Estevão da Gama, quando a visitou. Em 1700 Edmond Haley, o célebre astrônomo inglês, julgando haver descoberto uma nova ilha, dela se apossou em nome da Inglaterra. Nela estiveram os portugueses em 1756, voltando a ocupá-la militarmente os ingleses em 1781, para logo em seguida abandoná-la. Retornaram os portugueses, agora para fortificá-la e colonizarem-na com açoreanos, no que não tiveram sucesso. Durante as duas guerras mundiais do século Trindade teve guarnições militares, e em 1924 foi presídio político. Em 1957 a Marinha brasileira estabeleceu o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), e desde então mantém guarnições que se alternam, fazendo observações meteorológicas e procurando reflorestá-la.

A partir do século XVIII a ilha foi visitada por exploradores e cientistas participantes das expedições de J. Cook em 1775, J. C. Ross em 1839, do navio Challenger em 1876 e La Pérouse em 1887. A contribuição para as geociências, entretanto, foi muito reduzida. M. L. A. Milet-Mureau (1797), da expedição de La Pérouse nela reconheceu a presença de basaltos, e G. T. Prior (1900), examinando o material coletado pela expedição de Ross, destacou a natureza vulcânica da ilha e sua semelhança com Fernando de Noronha. Da expedição liderada por João Alberto Lins de Barros em 1950 participaram diversos cientistas, entre eles os geólogos J. R. de Andrade Ramos (l950) e R. V. Veltheim (1950), tendo este preparado o primeiro esboço geológico da ilha. L. de C. Soares em 1964 publicou uma síntese dos conhecimentos relativos à geologia e geografia da ilha. O presente autor nela permaneceu dois meses em 1958, quando executou seu mapeamento geológico em escala 1:10.000 e em 1.961 publicou os resultados dos estudos petrográficos e geoquímicos. U. G. Cordani (1970) divulgou o resultado de 36 datações pelo método K - Ar de rochas que coletou. Em 1990 B. L. Weaver realizou um estudo geoquímico de rochas das coleções do Museu Britânico.

DESCRIÇÃO DO SÍTIO

ASPECTOS GEOGRÁFICOS A pequena ilha, pois que não tem mais que 13,5 km², tem relevo muito acidentado (Foto 2). Com largura de 2,5 km apresentam-se em sua região central picos que se elevam de 500 a 600 m de altitude. Esse relevo resulta de processos erosivos atuando sobre um maciço rochoso heterogêneo quanto à resistência que oferece aos agentes destrutivos. A região central da ilha, mais elevada, é constituída de derrames fonolíticos, nefeliníticos e graziníticos sub-horizontais e rochas piroclásticas associadas, pertencentes à Seqüência Desejado. Elas formam um platô axial de relevo irregular, acima de 350 m de altitude, do qual se erguem os picos Desejado, o mais alto da ilha (640 m), São Bonifácio e Trindade, estes entre 550 e 600 m de altitude, todos formados em extrusões fonolíticas. Nele têm origem os três córregos principais da ilha e diversas ravinas. Abaixo desse platô existem rochas do Complexo de Trindade que chegam à linha de costa. É formado maiormente por piroclastos e intrusões fonolíticas, além de numerosos diques de rochas variadas (Foto 3). Ele compõe os íngremes taludes rochosos e escarpas mais ou menos abruptas, das quais sobressaem como pináculos os domos, necks, plugs e grandes diques fonolíticos desenterrados pela erosão diferencial e recuo das vertentes. Entre eles destaca-se o pico do Monumento (Foto 4), na costa sul, alto de 270 m. A região oriental da ilha é mais baixa, nela tendo-se manifestado as erupções de lavas ankaratríticas dos vulcões do Morro Vermelho e Paredão. As primeiras escoaram para o mar em direção à costa nordeste da ilha, e associadas a seus respectivos piroclastos formam um pequeno planalto inclinado nesse sentido. O córrego Vermelho, que originalmente drenava a área de lavas fluindo para nordeste, foi capturado para a praia do Príncipe na costa sul, dando origem ao mais profundo cânion da ilha (Foto 5). O vulcão do Paredão no extremo leste da ilha representa sua mais recente manifestação vulcânica. Vem sendo desgastado pelo mar, em escarpas de quase duas centenas de metros de altura. As vertentes abruptas do Complexo de Trindade e dos picos fonolíticos que delas sobressaem têm seu sopé recoberto por cones e aventais de talude, constituídos de blocos rochosos das mais variadas dimensões que caem das escarpas. São comuns cones de dejeção, habitualmente secos, das torrentes que descem das escarpas, sobretudo as da costa norte. Destaca-se o cone aluvial do córrego Vermelho, hoje em erosão na praia do Príncipe. Estreitas praias existem sobretudo no litoral nordeste da ilha, onde também se desenvolvem restritos recifes de algas Lithothamnium. Acumulações de dunas formam-se em trechos desse litoral, destacando-se as da praia das Tartarugas.

A plataforma insular de Trindade tem área restrita. Varia sua largura entre cerca de 800 e 3.000 m. Besnard (1951) levantou 16 perfis ecobatimétricos radiais em torno da ilha. Analisando-os Almeida (1961) neles identificou rupturas de declive, as mais definidas próximas de 59 e 77 m, que interpretou como correspondentes a níveis de erosão realizada pelo mar transgressivo ou regressivo. Eles se correlacionariam a dois dos assinalados por Shepard e Wrath (1937) em plataformas continentais em várias partes do mundo. Um terraço de abrasão marinha elevado a 3,5 m, largo de uma centena de metros, existe à volta do morro do Paredão onde o alcançam as vagas.

A ilha tem clima tropical semi-úmido de tendência a semi-árido, com baixa pluviosidade média anual e duas estações, sendo a seca de janeiro a março. Este é o mês mais quente e julho o mais frio (Barros, 1950). Está sob o domínio dos ventos alísios de sudeste.

A vegetação das regiões baixas e superfícies do vulcanismo ankaratrítico assim como das áreas de piroclastos do platô axial é baixa, tipo campestre, com ervas, gramíneas e ciperáceas (Foto 6). No platô axial, nas vertentes dos morros fonolíticos, apresenta-se vegetação arbórea, chamando especial atenção as comunidades de fetos arborescentes gigantes(Cyathea trindadensis), samambaias com até 6 m de altura.

GEOLOGIA REGIONAL

Distinguimos em Trindade cinco episódios vulcânicos, sendo que os quatro mais novos são claramente discerníveis, porém o mais antigo é um complexo, ao qual denominamos Complexo de Trindade. Ele é constituído de rochas piroclásticas e intrusivas que se expõem nas vertentes da maior parte da ilha, representando a mais antiga manifestação vulcânica visível acima do nível do mar. As rochas mais antigas do complexo acham-se bem reconhecíveis nas partes baixas da encosta da enseada da Cachoeira (Foto 7). São tufos lapilíticos com blocos de rocha tannbuschítica (uma variedade de olivina nefelinito constituída largamente de cristais de piroxênio com pequena quantidade de nefelina e olivina). A maior parte do complexo é formada por piroclastos variados associados ao vulcanismo fonolítico, em camadas inclinadas de até 30º. Na região ocidental da ilha alcança espessura próxima de 400 m (Foto 3) Recortam os piroclastos numerosos diques, sobretudo de nefelinito e fonólito, mas também de olivina analcitito, analcita basanito, gauteíto e outros. Diques de fonólitos da região sudoeste da ilha atingem cerca de 50 m de espessura. Sobressaem no complexo 16 grandes corpos fonolíticos de contornos subcirculares a elípticos representando domos endógenos, plugs e necks com até 400 m de diâmetro no morro do Pico Branco. O complexo é muito recortado por diáclases, destacando-se as orientadas entre NW e NNW nas encostas norte da ilha, e NNE nas encostas meridionais. Elas em grande parte determinam a orientação dos diques.

Os pináculos fonolíticos de Trindade aparentam mais de uma origem. Uns correspondem a intrusões monolíticas cilíndricas de lava viscosa (plug domes), e o Monumento (Foto 4) é um deles. Outros são corpos tolóides (Staukuppen) crescidos nos orifícios afunilados dos cones vulcânicos. Tais seriam os dos morros Vigia e Desconhecido.

A idade mais antiga obtida por Cordani (1970) para rochas da ilha foi de 3,6 Ma, num dique de rocha ultrabásica em tufos da praia dos Cabritos. As grandes intrusões fonolíticas acusaram idades de 2,3 a 2,9 Ma.

A Seqüência Desejado constitui-se de derrames de fonólito, nefelinito e grazinito (uma variedade de nefelinito fonolítico contendo analcima porém não olivina) com intercalações de piroclastos de composição equivalente, alguns deles de nítida deposição subaquosa mas não marinha. Chega a alcançar cerca de 400 m de espessura na seção entre a praia dos Portugueses e o Pico Desejado (Fot6). Sua base encontra-se aproximadamente a 360 m de altitude, correspondendo claramente a uma superfície de erosão que trunca o Complexo de Trindade (Fotos 7 e 8). Sua expressão topográfica corresponde a um planalto estrutural de relevo irregular, o platô axial, do qual se erguem os picos culminantes da ilha (Foto 5), entre eles o mais alto, Desejado, que é um Staukuppe com base exposta e espessura máxima visível aproximada de 160 m. A seqüência representa uma atividade vulcânica mista, com a extrusão explosiva de lavas fonolíticas mais viscosas entremeadas com a efusão de derrames mais fluidos de grazinito e nefelinito. Supomos que os fonólitos que sustentam os picos São Bonifácio e Trindade também sejam Staukuppen, o que requer mais investigações.

As idades obtidas para os derrames da Seqüência Desejado compreendem-se entre 1,60 e 2,63 Ma, que a se confirmarem, não diferem essencialmente das intrusões mais novas do complexo e a discordância entre este e a seqüência não seria tão importante quanto as observações de campo assinalaram (1961).

A Formação Morro Vermelho resulta de uma erupção explosiva com derrames de lava ankaratrítica, uma variedade melanocrática de olivina nefelinito contendo biotita. O vulcanismo manifestou-se no alto vale da região central da ilha, que foi preenchido por espessura superior a 200 m de lavas e piroclastos (Foto 5) As lavas escoaram para a plataforma insular a norte da ilha e sustentam baixo planalto inclinado para o litoral. Os piroclastos, de estrutura muito variada, resultaram da emissão do piromagma muito fluido, sobretudo por processo de fire fountaining. As lavas constituem derrames sucessivos de analcita ankaratrito, sendo vesiculadas e escoriáceas no topo e às vezes na base. Eram sobretudo do tipo block lava, sua espessura individual variando de menos de 0,5 m a 40 ou 50 m, como vistas no cânion do córrego Vermelho (Foto 5). Ali a espessura total da formação ultrapassa 230 m, sendo a maior parte constituída de derrames. O centro de emissão dos produtos vulcânicos localizou-se nas proximidades do Morro Vermelho onde há diques de ankaratrito, tendo o vulcanismo se realizado quando o nível do mar se achava mais baixo que o atual, expondo a plataforma.

A Formação Morro Vermelho, de acordo com Cordani (1970) não seria mais antiga que 170.000 anos. As lavas teriam extravasado durante uma das regressões marinhas universais que acompanharam os estádios da glaciação Würm, entre 115.000 e 11.000 anos atrás.

Formação Valado. Os depósitos do grande cone aluvial do córrego do Valado existente entre as praias dos Cabritos e dos Portugueses no litoral norte da ilha intercalam piroclastos e derrames de lava tannbuschítica provenientes de um centro emissivo situado vale acima (Foto 9). Nele ocorrem piroclastos constituídos de corpos discóides lembrando emplastos, filamentos de lava, bombas rotacionais e massas de lava caídas ao solo em estado pastoso, formando aglutinado (Schlackenagglomerate). A erupção aparentemente se processou a partir de uma fenda situada a meia encosta, paralela à costa atual, em sítio onde existem diversos diques de tannbuschito de estrutura escoriácea. Os cones de talude às faldas de dois morros fonolíticos encobrem o possível foco. O cone aluvial do Valado já então se achava em formação, atestando a pouca idade do vulcanismo, que por muito novo não pôde ser datado. Outras acumulações detríticas em cones e aventais de talude e cones aluviais também incluem camada única de tufos lapilíticos e cinzas posteriores ao vulcanismo Morro Vermelho, como bem se observa no cone do córrego Vermelho. Consideramo-los relacionados ao vulcanismo Valado. Junto ao referido cone, já então sendo erodido à beira-mar, verificamos que os tufos horizontais do Valado foram cobertos em discordância angular pelos tufos inclinados do vulcão do Paredão. Parece-nos inquestionável ser pós-glacial o vulcanismo Valado, tendo em vista a geomorfologia da ilha.

O Morro do Paredão, na extremidade oriental da ilha, representa as ruínas de um cone vulcânico que vem sendo destruído pelo mar mas em que ainda se percebem claros restos da superfície das vertentes originais assim como da borda de sua cratera (Foto 10). Era um pequeno mound formado por piroclastos com poucas intercalações de lava ankaratrítica. Próximo à entrada do túnel aberto pelo mar existem restos de lava que parecem preenchimento da chaminé. O maior volume do morro é formado por tufos lapilíticos contendo blocos, bombas rotacionais e driblets. Formam camadas inclinadas para a periferia no flanco do morro, e para o interior da cratera, onde subsistem localmente. Cristais de olivina, piroxênio e biotita isolados da matriz são abundantes nos piroclastos expostos no túnel e componentes da areia de pequena praia junto a ele. O relevo afastado do vulcão ainda apresenta restos de coberturas de tufos e cinzas levadas pelo vento de leste. Atingem 3 m de espessura no alto do Morro Vermelho e do Pico Verde e 5 m no das Grazinas, distante 2.000 m do vulcão. Os derrames de lava escoaram sobretudo para norte, onde seus restos podem ser vistos no parcel das Tartarugas (Foto 10) e na falésia fóssil junto à praia deste nome. Têm espessura individual de até 2 m, são escoriáceos em sua parte superior e intercalam-se nos piroclastos. O vulcão surgiu na plataforma insular então parcialmente emersa, como um cone de até 200 m de altura, crescido sobretudo por processo de fire fountainig, com magma fortemente carregado de gases, escoando a lava para norte.. Teve atividade continuada porém muito breve. Surgiu tardiamente no cimo do grande edifício vulcânico quando seu topo já se achava grandemente erodido para constituir a plataforma insular. É o único resto reconhecível de um vulcão em território brasileiro. Por sua reduzida idade não pode ser datado pelo método K-Ar. Recorremos à geomorfologia para estimar sua idade, que nos parece ser pós-gracial mas anterior ao chamado ótimo climático, ao qual parece atribuível o mais recente terraço marinho reconhecível na ilha. Teria então idade de uns poucos milhares de anos..

Tal como Fernando de Noronha também a série vulcânica de Trindade caracteriza-se por ser altamente subsaturada em SiO2 e acentuadamente sódico-alcalina, mais mesmo que Fernando de Noronha. O teor em SiO2 em 33 análises apresentadas por Almeida (1961) e Weaver (1990) varia entre 37,12% (analcita ankaratrito) e 52,91% (fonólito). A variação de Na2O acusou valores entre 2,45% (basanito) e 13,00% (noseana fonólito). São as duas séries vulcânicas oceânicas mais subsaturadas em sílica e mais sódico-alcalinas do Atlântico. Trindade constitui uma das séries oceânicas mais sódicas senão a mais sódica do mundo. Tal como em Fernando de Noronha, as rochas ultrabásicas, frações mais densas dos diferenciados magmáticos foram expelidas tardiamente, a julgar pelo que está exposto na ilha.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO AO SÍTIO

Apesar de seus magníficos atrativos naturais a ilha não comporta ecoturismo por ser muito distante da costa, só acessível por mar, de desembarque difícil e perigoso e destituída de alojamentos adequados. De tal modo Trindade acha-se protegida da ação geralmente predatória causada pelo turismo. No entanto, embora tenha sido só raramente ocupada, seu equilíbrio ecológico já foi severamente perturbado. Em 1700, por ocasião da visita do astrônomo Haley, cabras foram deixadas na ilha. Com a tentativa fracassada de colonização pelos portugueses por volta de 1782 foram nelas introduzidos cabras e carneiros. Outros animais foram para ela levados pelas guarnições militares, sobretudo durante a Primeira Grande Guerra. Sem inimigos naturais esses animais, tornados selvagens, muito proliferaram causando severa destruição da cobertura vegetal, com o conseqüente desenvolvimento de solos pedregosos, como no planalto ankaratrítico (Foto 6). Medidas que se fazem urgentes são o extermínio desses animais, a preservação do que resta da flora e fauna originais, que ainda incluem espécies endêmicas, e o reflorestamento dos sítios em que subsistem solos favoráveis. O POIT vem atuando nesse sentido, e espera-se que um dia Trindade venha a recuperar parte de sua vegetação original, que narrações antigas referem ter sido exuberante. Caranguejos, aves, algumas das quais endêmicas, e as tartarugas marinhas que desovam na ilha, devem ser devidamente protegidos.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao Prof. Dr. Celso Dal Ré Carneiro pela avaliação do texto e elaboração das figuras; ao Prof. Dr. Roberto Perez Xavier pelas sugestões sobre o texto em Inglês, que aprimoraram o manuscrito; a Marcelo Reginato, pela elaboração do esboço do mapa geológico da figura 2; ao Prof. Sérgio Bergamaschi e Biol. Carlos Raposo, pela cessão da foto colorida que magnificamente ilustra o presente trabalho.

Referências bibliográficas

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BARROS, J. A. L. de. 1959. Relatório prévio sobre a expedição João Alberto à ilha da Trindade. Rio de Janeiro. 75 p. (inédito).

BESNARD, W. 1951. Resultados científicos do cruzeiro do "Baependí"e do"Veja" à ilha da Trindade. São Paulo, Instituto Paulista de Oceanografia. 37 - 48. (Bol. II, fasc. 2).

CORDANI, U. G. 1970. Idade do vulcanismo do Oceano Atlântico Sul. São Paulo: Instituto de Geociências e Astronomia, Boletim IGA, 1, 9-75.

MILET-MUREAU, M. L. A. 1797. Voyage de La Pérouse autour du mond. Paris, 2, 26-29.

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RAMOS, J. R. de A. 1950. Expedição à ilha da Trindade. Revista da Escola de Minas, v. 15 n. 6, p. 5-14.

SHEPARD, F. P. e WRATH, W. F. 1937. Marine sediments around Catalin island. J. Sedim. Petrol., v. 7, n. 2, 41-50.

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Legendas das figuras e fotografias

 

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Fig. 1- Situação da ilha da Trindade em relação à costa brasileira.

 

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Fig. 2- Mapa geológico simplificado, segundo Almeida (1961). M, morro; Pi, pico; Pr, praia; Pt, ponta.

 

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Foto 1 - Aspecto da ilha da Trindade (Foto Carlos Raposo)

 

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Foto 2 - Aspecto da ilha da Trindade vista de noroeste (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 3 - Extremidade noroeste da ilha. Acham-se aí expostos 400 m de espessura do Complexo de Trindade. Extenso dique de fonólito sustenta a chamada Crista de Galo (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 4 - Estereofoto do Monumento, plug fonolítico intrusivo em piroclastos do Complexo (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 5 - No primeiro plano vê-se a Formação Morro Vermelho e o canion do córrego Vermelho. Ao longe, relevo do platô axial em rochas da Seqüência Desejado (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 6 - Vertente em ankaratritos do córrego Vermelho. Note-se o solo pedregoso e os carneiros selvagens (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 7 - Escarpa atrás da praia dos Portugueses. Na parte inferior expõem-se piroclastos e uma grande intrusão fonolítica do Complexo de Trindade. Sobre ele mostram-se as escarpas da Seqência Desejado (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 8 - Escarpa em piroclastos do Complexo de Trindade. Os dois homens estão logo acima da base da Seqüência Desejado, discordante sobre aquele (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 9 - Dois derrames tannbuschíticos da Formação Valado intercalados em blocos do cone de dejeção do córrego do Valado que então já se achava em crescimento (Foto F.F.M. Almeida)

 

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Foto 10 - No primeiro plano as lavas e piroclastos da Seqüência Desejado avançam sobro o fonólito do Pico das Grazinas. Abaixo, à esquerda, o planalto de lavas da Formação Morro Vermelho além do qual se vêem três grandes intrusões fonolíticas do Complexo de Trindade. Ao fundo, as ruínas do vulcão do Paredão mostram parte da borda circular da cratera (Foto F.F.M. Almeida)